SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Definitivamente, política não é um assunto a ser conversado no almoço de domingo na casa da família Duarte. É o que revela Gabriela Duarte, 48, filha de Regina, 76, ex-secretária de Cultura do governo de Jair Bolsonaro (PL).
"Aprendi a separar as coisas para termos harmonia na convivência. Porque é minha mãe. E ela me respeita também. A gente fala da vida, de coisas do cotidiano de uma família", conta a artista, que acaba de deixar o casting da TV Globo após 35 anos, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Ao longo dos últimos três anos, Regina Duarte começou a ser duramente criticada por ex-colegas da dramaturgia e nas redes sociais pelo posicionamento a favor de Bolsonaro. Foi entre março e maio de 2020 que ela fez parte do governo do então presidente. Depois de um processo de fritura conduzido pelo Planalto e aliados, Bolsonaro anunciou nas redes sociais que ela assumiria a Cinemateca Brasileira, em São Paulo -o que nunca ocorreu.
De lá para cá, porém, a imagem de Regina acabou enferrujada, sobretudo pela divulgação de muitas fake news na internet, cujos temas variavam: da crise dos yanomami a ataques ao presidente Lula (PT).
Evidentemente, toda essa situação acabou respingando em Gabriela. Afinal, é sobre a mãe dela que as pessoas tecem críticas. Mesmo assim, a atriz conta que a maioria soube separar uma coisa da outra, que jamais foi desrespeitada em seu ambiente de trabalho e que não considera que tenha havido qualquer prejuízo à sua continuidade na Globo pelas atitudes da mãe.
"Sempre falo que cada um responde pelo seu CPF. Nunca quis acreditar que de algum modo eu pudesse ser afetada por opiniões da minha mãe ou cobrada para me manifestar. Não fiz e seguirei assim."
Confira a entrevista abaixo.
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**PERGUNTA - Após 35 anos como funcionária da Globo, você não teve seu contrato renovado. Foi pega de surpresa?**
GABRIELA DUARTE - A decisão de encerrar esse ciclo não se deu da noite para o dia. São muitos anos trabalhando ali. É preciso cuidado e respeito sempre, mas nessas horas ainda mais. Talvez a ausência de convocações para trabalhos mesmo com a retomada pós-pandemia já fosse uma sinalização. Mas, sim, não diria que não fiquei surpresa. Afinal, foram 35 anos ininterruptos de contrato.
**P.- Quais os seus planos para agora, o que vem por aí?**
GD- Estou em processo com o livro autobiográfico que escrevo sobre a minha jornada de busca pela identidade, ao lado da jornalista e escritora Brunna Condini. E com o monólogo baseado no manifesto feminista "O Papel de Parede Amarelo", de Charlotte Perkins Gilman, com adaptação de Annalee e direção de Clarice Niskier. Isso é o que tenho de concreto e em andamento. Mas, no plano das ideias, há muito projetos interessantes por vir.
**P.- Muitas pessoas que saem da Globo dizem buscar mais autonomia e liberdade profissional. Simultaneamente, há menos estabilidade. Como vê essa questão?**
GD- Primeiro, é preciso entender o que é estabilidade. Sabemos que um contrato fixo nos traz a estabilidade financeira -e isso é bom, sim. Mas, por outro lado, foram 35 anos nesse formato. O que me dá a oportunidade de poder me arriscar hoje. De me mostrar de outras formas enquanto artista. Tudo isso vem num momento bonito da minha vida. De muitas descobertas internas. São sempre escolhas e toda escolha tem a sua contrapartida. De minha parte, sempre fiz questão de honrar as minhas escolhas, fazendo valer cada contrapartida.
**P.- Numa retrospectiva pessoal, você considera a Eduarda de "Por Amor" (Globo, 1997-1998) um dos principais trabalhos?**
GD- A Eduarda viralizou numa época de redes sociais engatinhando, internet sem tanto apelo popular. Imagina ela hoje em dia? Eu morro de curiosidade de pensar como seria o cancelamento dela. Ou o contrário. Vai saber. Mas eu tenho profundo carinho por ela. Defenderia a Eduarda hoje, com toda certeza, e sei que muita gente estaria comigo nessa defesa.
**P.- Acredita que a relação conturbada entre sua mãe e a Globo, sobretudo após os posicionamentos políticos dela, possa ter influenciado (ou prejudicado) de alguma forma sua carreira?**
GD- Sinceramente, não vejo essa relação conturbada entre a empresa e minha mãe. A saída dela da TV Globo [em fevereiro de 2020] se deu em bons termos, e não poderia ser diferente após meio século de sucesso, fruto dessa parceria. Sempre fui tratada como Gabriela Duarte na empresa. Meus chefes e colegas de trabalho me respeitaram (e respeitam). Não acho que tenha influenciado.
**P.- Sua imagem acaba ficando bastante atrelada à da sua mãe...**
GD- De todo modo, prefiro pensar não ser razoável nem justo que me tratem ou vejam senão como indivíduo, com suas próprias ideias, posições, trajetória e sonhos.
**P.- Como você lida com as críticas pesadas ao posicionamento político da sua mãe, que também não tem medo de expor suas opiniões, por mais controversas e polêmicas que sejam?**
GD- Sempre falo que cada um responde pelo seu CPF. E nunca quis acreditar que de algum modo eu pudesse ser afetada por opiniões da minha mãe ou cobrada para me manifestar sobre temas sobre os quais meus colegas de profissão, artistas, não são cobrados. A imprensa foi a que cobrou que eu respondesse pela opinião dela. Como se fosse obrigação minha. Não fiz e seguirei assim.
**P.- Essas cobranças te chateiam?**
GD- As pessoas precisam entender que eu sou a Gabriela, com histórias, trajetórias, personalidades e pensamentos diferentes, e que nos respeitamos.
**P.- Você conversa sobre esse assunto com a Regina Duarte? Como são os papos? De política?**
GD- Não. Aprendi a separar as coisas para termos harmonia na convivência. Porque é minha mãe. E ela me respeita também. A gente fala da vida, de coisas do cotidiano de uma família.
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