SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 2022, a lista dos maiores artistas do hip hop no Brasil era dominada por cariocas e paulistas. A exceção de nomes como Matuê e Wiu, havia um detalhe curioso: os rappers eram cariocas, os funkeiros eram paulistas.

Nomes como L7nnon e Xamã dividiam o topo das paradas com Ryan SP e Hariel, numa troca de papeis impensável nos anos 1990 quando São Paulo se consolidava como berço do rap brasileiro e Rio de Janeiro gestava o funk para o país. É especialmente nesse encontro tão popular e moderno que "Vilã" reside, álbum que dá vazão a outra veia criativa de Ludmilla sem deixar de mostrar suas limitações.

Ludmilla é uma artista de muitos recursos à mão. Enquanto uns têm hoje em microvídeos, coreografias descartáveis e presença incessante nas redes sociais -há quem chame de vivência- o maior lastro da carreira, num processo catalisado pela pandemia, Ludmilla tem exibido ano a ano que se desenvolve como artista.

Nunca abandonou sua verve funkeira, atualizando sua métrica a novas tendências; adapta-se a diferentes linguagens do pop, buscando parcerias e emplacando hits; domina as complexidades do pagode e do R&B em melodia e harmonia; e entrega performances exuberantes, de repertório sólido, como foi o caso de seu show no Rock in Rio 2022.

No caso de "Vilã", contudo, Ludmilla parece ter subido o sarrafo mais alto do que pode saltar no que seria o chamariz do disco, isto é, o trap funk carioca -presença inconteste da atual paisagem sonora do Rio.

Ao se aventurar no gênero misto, a cantora mostra pouca originalidade com um flow duro e lírica parca, seja na tentativa de criar imagens de impacto ou contar histórias com identidade. A exceção da abertura, um forte manifesto de Ludmilla sobre sua própria trajetória enquanto mulher negra, o disco tem seis faixas que transitam pelo mundo do trap de maneira pouco notável.

Um bom exemplo é o single "Sou Má". Não há demérito em tomar para si a levada de grandes nomes do hip hop, como Ludmilla faz nessa faixa ao interpolar "NICE", música de Beyoncé e Jay Z. Esse tipo de empréstimo é comum entre novatos do rap e os americanos são creditados no disco de Ludmilla para evitar imbróglios jurídicos. Nesse caso, porém, a comparação se torna evidente.

Ainda que seja uma releitura, Ludmilla oferece não mais que rimas quadradas em suas linhas sobre um "type beat" que faria sucesso em 2018 -acordes sinistros de teclado justapostos às células rítmicas padrão do gênero. Além disso, a protagonista é ofuscada pelo duo de rappers Tasha e Tracie, que encontra caminhos, variações e descrições de peso na faixa como já de costume.

A dupla, formada pelas irmãs gêmeas de São Paulo, é prova de que mulheres vêm ganhando alcance no rap optando por líricas complexas. Artistas como Slipmami, Nina e Irmãs de Pau mostram em letras que exploram o bragadoccio do hip hop em um espectro amplo, de sexualidade à postura de vim-vi-e-venci, não são sinônimo de restrição poética --que é o caso de "Vilã". Com 16 faixas, o disco se torna repetitivo na forma como aborda esses temas.

Sem êxito no trap carioca, sucesso nas mãos de nomes como Poze do Rodo e Orochi -um dos parceiros de Ludmilla em "Vilã"--, a artista consegue arrancar o melhor de si quando puxa esse som para o R&B, gênero que já vinha experimentando na sua forma de fazer pagode. Ao lado de Delacruz e Gaab, Ludmilla não deixa nada a dever a gigantes do gênero norte-americano. Ela repete o feito em modo solo na faixa "Sintomas de Prazer".

Muito disso se deve ao trabalho do produtor Ariel Donato, arranjador e produtor que vem trazendo novas complexidades ao trap carioca. Suas orquestrações adicionam verticalidade ao disco, com maiores contatos entre batida e voz, e dão carga dramática à voz de Ludmilla em faixas sobre amores rompidos. Pena que na colaboração gravada apenas pela dupla, "Só Sinto Raiva", Ludmilla derrapa na saída.

Outro ponto alto do disco é o contato que Ludmilla estabelece com artistas latinos e nomes em ascensão na música da diáspora negra. O hit "Socadona" ainda não soa enjoativo em 2023. Em "Senta e Levanta", a cantora faz um funk com ares de dancehall com a MC de dancehall britânica Stefflon Don. O produtor Topo La Maskara também merece os louros: responsável pelo sucesso "Verdinha", o dominicano mostra entender os meandros dos beats do funk carioca, da macumbinha ao atabacado.

Essas e outras colaborações, caso do chachacha pop com a boy band Piso 21, trazem a pergunta à tona: por que Ludmilla não se lança com mais afinco na carreira internacional? Em "Vilã", ela vacila como trapstar carioca quando poderia ter solidificado sua figura como popstar global em um mercado sedento por novidades fora do eixo Europa-Estados Unidos.

Ludmilla, com Grammy na prateleira, já mostrou capacidade para alçar voos maiores. Resta saber se ela não o faz por decisões subjetivas ou por questões financeiras -tanto ela quanto Anitta, nossa maior representante no pop global, tem contrato com a mesma gravadora no Brasil.

VILÃ

Onde Nas plataformas de streaming

Autor Ludmilla

Gravadora Warner Music

Avaliação Bom


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