SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Passados cinco anos do assassinato de Marielle Franco, em março de 2018, uma biografia em formato de audiolivro narra a história da socióloga, ativista social e vereadora do Rio de Janeiro. Lançada na última quinta-feira (30) na plataforma Storytel, a obra se propõe a abordar um lado menos conhecido do público.

Entre as escolhidas para dar voz às histórias gravadas a partir dos relatos daqueles que conviveram por anos com Marielle estão nomes como os das atrizes Dira Paes e Gabriela Loran, o da escritora Verônica Bonfim e o da cantora Zélia Duncan. A autora do projeto é a jornalista Audrey Furlaneto.

Engajada em causas sociais há 20 anos, Dira conta que encontrou a ativista algumas vezes ao longo dos anos, mas que o projeto a aproximou da ex-vereadora. As partes que humanizam Marielle e narram histórias do dia a dia foram as que mais a emocionaram. "Eu me interessei muito pela vida pessoal dela, pelas coisinhas todas dos primeiros romances. A gente acompanha tudo, o despertar dela como menina e como mulher --e como uma mulher pública", diz em entrevista à reportagem.

Na obra, um lado mais humano e sensível é abordado, como os primeiros amores, as lembranças da família e a entrada na política. O livro foi composto por meio de entrevistas com Marinete, mãe da ativista, e colegas de trabalho e amigos, como Fernanda Chaves, que também estava no carro alvejado por tiros onde a então vereadora foi morta.

"Nós sentimos na pele essas revelações que ela foi tendo. A escrita da Audrey Furlaneto [autora do livro] te coloca na cena e te contextualiza. É como se você sentisse o lençol em que ela está deitada, o tamanho do quarto. Quando pensamos em Marielle, pensamos nessa mulher enorme, linda, com um sorriso irresistível. Mas [descobrimos] esse lado confidente, que gostava de rir com as amigas, tomava um cafezinho antes de ter que ir para Belford Roxo. Esses momentos de intimidade são curiosos", complementa Dira.

O público pode optar pela narração individual de cada uma ou pela intercalada, que conta com as quatro vozes juntas. Zélia diz ter se emocionado em diversos momentos da gravação, sendo necessário dar uma pausa para respirar fundo e tomar um copo de água. Ou até mesmo retornar mais composta no dia seguinte.

"Em vários momentos, tivemos que pedir alta. Aconteceu uma coisa que eu terminei um capítulo chorando, quase soluçando, e fui para casa. E, quando voltei no dia seguinte, eu falei para o Pedro, do estúdio: 'Cara, por favor, deixa eu repetir'. Você lê aspas, então, às vezes, você é a narradora, o professor do cursinho, a mãe, a irmã, você é a própria Marielle ou a amiga que é uma testemunha fundamental e que estava dentro do carro. Então isso tudo vai dando muita emoção", conta a cantora.

Nos momentos de felicidade, ela diz que chega a esquecer o desfecho trágico que a vida de Marielle teve. "Quando você vai falando da infância e da adolescência ou as mulheres da família dá uma alegria, sabe? Tipo, caramba, que mulheres incríveis, eu quero ser dessa família. E, aí, você esquece um pouquinho que o pior está por vir. Eu tive momentos quase de autoengano. De dizer: 'Não, não é possível que essa história vai acabar onde a gente sabe que vai'."

A cantora diz ainda que integrar o projeto abriu seus olhos para outras causas e a fez se engajar ainda mais em lutas --o que a transformou para sempre. "Ler o audiobook me fez olhar para as causas que eu já estava olhando, mas com um olho muito mais amplo e arregalado. A Marielle me ajudou a tomar essa decisão, que eu já tinha tomado na minha vida, mas às vezes você toma decisões e até você realizar demora. Não é que eu já tenha realizado, mas estou a caminho de realizar para sempre", afirma.

Dira relembra o convite para participar da biografia, mas o define mesmo como uma convocação, já que considera que seria impossível recusar. "Fiquei muito curiosa para saber qual era a estrutura da ideia para poder entender porque que eu tinha sido chamada. Quando eu entendi, fiquei fascinada com essa ideia de sermos Marielles. A biografia não é só a trajetória de uma heroína, é a trajetória de um ser humano que existe cotidianamente no Brasil", descreve.

A atriz conta que, durante a gravação dos dez capítulos, o momento era de um Brasil reprimido. "Faz jus lembrar que, enquanto nós estávamos gravando esse audiobook, ainda estávamos sob a ameaça das mesmas forças que ameaçaram Marielle. Então criamos esse material sem saber se a gente conseguiria recuperar a liberdade de, pelo menos, poder falar abertamente sobre um crime político que aconteceu no Brasil."

Zélia comenta que, se não fosse o ocorrido, a vereadora já poderia ser senadora e representar outras mulheres pretas do Brasil no Congresso Nacional. Porém, mesmo com o desenrolar da história, Marielle conseguiu provocar mudanças.

"Ela foi uma pessoa profundamente importante para a vida feminina brasileira, para vida negra feminina brasileira e para vida LGBTQIAP+ brasileira. A gente precisava e precisa tanto dessa renovação que ela chegou a mudar de alguma forma antes de tudo. É impossível dar um passo para trás, agora é só para a frente", diz.

As narradoras mantêm viva a esperança de que justiça seja feita e que todos os afetados pelo crime obtenham uma resposta. Elas afirmam esperar que o projeto sirva para relembrar que passaram-se cinco anos desde 14 de março de 2018 e que a investigação sobre quem mandou matar Marielle ainda não foi concluída.


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