PALM SPRINGS, EUA (FOLHAPRESS) - Frank Sinatra, Elvis Presley, Marilyn Monroe e Carmen Miranda tinham casas de inverno em Palm Springs, fazendo desta pequena comunidade no deserto californiano um playground dos ricos e famosos a 180 quilômetros de Los Angeles.
Mas enquanto a era de ouro dessas celebridades há muito se passou, a aura de glamour permaneceu em Palm Springs. O motivo vem do legado deixado desde da metade do século passado -uma arquitetura modernista aplicada em residências, edifícios públicos e privados, incluindo até bancos.
É quase como uma cápsula do tempo. Bairros inteiros da cidade e dos arredores no Vale Coachella parecem sets de filmagem dos anos 1950 e 1960. Não à toa, foram palco do filme "Não Se Preocupe, Querida", com Harry Styles, lançado no ano passado. Com uma nova onda de artistas, arquitetos e entusiastas ajudando a preservar e adaptar o local, algumas propriedades quadruplicaram seus valores.
"Da mesma forma que conservamos coleções de arte num museu, estes edifícios merecem ser protegidos. São obras vivas que servem de moradia há muitas gerações. São um arquivo de um estilo de design moderno americano", diz Lisa Vossler Smith, diretor do Modernism Week, um festival de arquitetura que existe desde 2006, com duas edições por ano.
Laboratório de artistas, o deserto atraiu arquitetos experimentais de olho na vasta disponibilidade de terras, numa época em que Los Angeles, por volta dos anos 1950, já estava abarrotada de prédios. Foi assim que chegaram aqui Richard Neutra, um dos arquitetos modernistas mais prolíficos no sul da Califórnia, e John Lautner, aprendiz de Frank Lloyd Wright e popular pelo estilo futurístico "googie".
Não que a estética modernista não tenha saído de moda, com suas construções minimalistas, telhados planos, janelões e plantas abertas. Ao longo das décadas, muitas casas foram remodeladas para tratar de problemas comuns como encanamentos velhos, lajes e concreto rachados por terremotos e instalação de aparelhos de ar-condicionado.
Mas seus traços originais voltaram a ser resgatados com a renascença modernista no início dos anos 2000. Foi quando Palm Springs abraçou sua sina e passou a proteger os edifícios oficialmente.
Um exemplo clássico é a House of Tomorrow, ou a casa do amanhã, construída em 1960 por William Krisel, um dos arquitetos mais reconhecidos da região. A residência foi uma das centenas abertas ao público durante o Modernism Week, que aconteceu no final de fevereiro e volta em outubro.
Usando protetores de sapato obrigatórios, dezenas de visitantes circulavam pelos quatro cômodos circulares interconectados da casa, com uma grande porta de vidro dando vista para a piscina, montanhas e palmeiras.
Krisel era parceiro de Robert Alexander, da construtora Alexander, nome que virou estilo de residência na cidade, geralmente marcado pela integração entre interior e exterior, com destaque para as janelas de clerestório.
Robert e sua mulher, embaixadores da elite local, ficaram tão encantados com a casa que se mudaram para o espaço, repleto de detalhes futuristas, como um canal a vácuo por trás das paredes que facilitava a remoção de sujeira no chão.
A residência ganhou a cultura pop por conta de Elvis Presley, que se hospedou durante sua lua de mel com Priscilla, em 1967. Em 2020, a casa estava deteriorada, quando foi vendida por US$ 2,6 milhões, cerca de R$ 13 milhões. Após dois anos de reformas, que trouxeram de volta detalhes originais como piso e janelas, voltou ao mercado e foi vendida em novembro passado por US$ 5,6 milhões.
Palm Springs, hoje com 500 mil habitantes, para durante o festival, que nesta edição recebeu 105 mil visitantes. Havia também mais de 400 voluntários, boa parte aposentados bem de vida que se divertiam ajudando no vai e vem das casas e eventos.
Os moradores participam e muitos até acenam para os visitantes que passam em cima do ônibus de dois andares que circula pelas ruas residenciais, num passeio arquitetônico de três horas. O festival também organiza caminhadas ou passeios de bicicleta pelo mesmo circuito.
Uma das paradas do tour era em frente à Kaufmann Desert House, desenhada por Neutra em 1946 para o mesmo empresário proprietário da Fallingwater, obra seminal de Wright. Praticamente camuflada no meio de pedras, cactos e palmeiras, a casa foi vendida no ano passado pelo preço recorde de US$ 13 milhões, um pouco abaixo da Hope Residence, de Lautner, uma propriedade sete vezes maior e com um teto dramático que lembra uma nave espacial.
Em 1993, a Kaufmann House foi comprada por US$ 1,5 milhão e passou cinco anos sendo meticulosamente restaurada pela Los Angeles Marmol Radziner, com ajuda dos arquivos de Neutra --até uma pedreira de Utah foi reaberta para prover o mesmo arenito polido original. O restauro foi um catalisador do revival arquitetônico nos anos 2000.
Um modernismo mais rústico está presente na Villa Maggio, residência que Sinatra ergueu em 1967 nas montanhas de Palm Desert, no sul de Palm Springs, para receber os amigos e se esconder do calor do deserto e dos paparazzi. Maggio vem do seu personagem em "A Um Passo da Eternidade", de 1953.
Aberta ao público pela primeira vez, a propriedade de 30.350 metros quadrados tem três chalés com telhas de madeira e oito quartos no total, além de oito lareiras, piscina, quadra de tênis e heliporto. Relativamente bem preservada, está à venda por US$ 4,25 milhões.
"Ele planejou esta casa pensando nas suas festas e convidados, ao contrário de suas outras propriedades", diz Janna Taninbaum Ritz, cuja mãe é a dona do imóvel desde os anos 1990. "Aqui é o quarto da minha mãe. Era o quarto de Frank. Quando ela se mudou, a casa estava abandonada fazia dez anos. Estava cheia de tralha e animais. Fizemos muitos reparos."
A residência principal tem um sistema de som embutido McIntosh e alguns móveis que pertenceram ao mafioso Al Capone, adquiridos por Sinatra em leilão. "Você reparou o tamanho minúsculo do closet? Minha mãe diz que é porque Frank não queria mulheres morando aqui."
O glamour de Palm Springs transpira também nas festas organizadas pelo festival, muitas à beira de uma piscina, às vezes decorada com flamingos infláveis e muitos drinques coloridos. O imaginário vive nas pinturas de Shag, nome artístico de Josh Agle, figurinha fácil do Modernism Week que recebe fãs com um open bar em sua loja na cidade.
"O festival é de arquitetura e design, mas também representa um estilo de vida", afirma Shag. "As pessoas gostam dessa vibração modernista porque é otimista e olha para o futuro. É um passado que elas gostariam de ter vivido, onde elas estão relaxando na piscina com um coquetel na mão."
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