SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma professora de história da arte foi demitida após o deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL) classificar como petista uma blusa vermelha que a docente usou em sala de aula na semana passada. A peça trazia na estampa os dizeres "Seja Marginal, Seja Herói".
A frase aparece em uma das principais obras do artista plástico Hélio Oiticica. Criado nos anos 1960, durante a ditadura militar, o trabalho já foi exposto em algumas das mais importantes instituições do mundo, como o Tate Modern, em Londres, e o Museu de Arte Moderna de Nova York.
"Eu não sei nem o que falar sobre isso. Professora ensinando que ser herói é a mesma coisa que ser marginal. Professora de história com look petista em sala de aula", escreveu ele na semana passada. Três dias depois da publicação, a professora diz ter sido demitida do Colégio Expressão, em Aparecida de Goiânia -cidade na região metropolitana de Goiânia.
A reportagem entrou em contato com a escola, mas a instituição afirmou que não comentaria o caso e que já falou a respeito em uma nota publicada nas redes sociais.
O texto diz que o colégio tem o compromisso de oferecer uma educação de qualidade, pautada pela ética, respeito e diversidade. No entanto, afirma que "escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas e preconceituosas".
A docente diz estar sofrendo ataques nas redes sociais desde que o deputado fez a publicação, motivo pelo qual prefere não se identificar. Ela conta que foi trabalhar na manhã de terça-feira (2) usando a camisa com a frase de Hélio Oiticica. Por volta das 12h, publicou no Instagram uma imagem usando a peça em sala de aula.
Horas depois, diz ela, um dos sócios da escola entrou em contato para dizer que a camisa havia causado muita dor de cabeça. Foi nesse momento que ela soube da publicação de Gayer e dos ataques de seus apoiadores.
A goiana diz que teria entrado em acordo com a escola na quarta-feira, mas que na sexta foi informada sobre a demissão. Segundo ela, o sócio justificou que a escola poderia ter prejuízos financeiros caso não a mandasse embora.
Após a demissão, ela decidiu mover uma ação por danos morais contra o parlamentar, na qual pede indenização de R$ 30 mil.
"A professora foi demitida em virtude da perseguição praticada contra ela e contra a escola. Além disso, estamos pedindo que o deputado exclua todos os vídeos e não volte a postar conteúdo que mencione a professora", diz o advogado Alexandre Amui.
De acordo com ele, Gayer tem o hábito de intimidar professores por meio das redes sociais e de promover uma espécie de patrulha ideológica em Goiás.
"Ele denuncia professores, os seguidores dele descobrem quem é a pessoa e começam a xingá-la nas redes sociais. O nosso medo é que isso saia da agressão verbal e descambe para a violência física."
A reportagem entrou em contato com o gabinete do deputado para que ele comentasse as acusações. A assessoria dele, porém, enviou como resposta uma receita de bolo. A reportagem insistiu, mas não obteve outra resposta até a publicação deste texto.
A receita enviada é a mesma que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) escreveu no Twitter em 2020 ao postar um vídeo de uma troca de tiros.
Segundo deputado federal mais votado de Goiás, com 200 mil votos, Gayer é fundador do Instituto Nossos Filhos, plataforma que recebe denúncias de pais contra o que ele considera tentativa de doutrinação em sala de aula.
"Nós temos testemunhado ao longo das últimas décadas uma ideologia que sequestrou o sistema de ensino brasileiro para incutir em nossos filhos ideias abjetas e antinaturais contrárias a tudo aquilo em que acreditamos", disse ele, em um vídeo da plataforma.
Apoiador de Bolsonaro (PL), ele é investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral por suposto uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político nas eleições do ano passado. Além de Gayer, são investigadas mais oito pessoas, como a deputada Carla Zambelli (PL) e o próprio ex-presidente Bolsonaro.
Deputados do PT apresentaram uma denúncia contra Gayer no Conselho de Ética da Câmara e no Ministério Público Federal. Na ação, eles afirmam que o parlamentar usa as redes sociais para desferir ataques contra quem tem opiniões políticas distintas das dele.
Sobrinho de Hélio Oiticica, César Oiticica Filho diz que recebeu com indignação a notícia de que a professora havia sido demitida após as críticas do deputado. "Me espanta uma escola chamada Expressão impedir a expressão artística de fluir, principalmente através de uma professora de arte."
O curador diz que a obra em nada tem a ver com o PT, uma vez que ela foi criada pouco mais de uma década antes de a sigla ser fundada. Para ele, a atitude do deputado é uma forma de censura.
"As pessoas precisam ter acesso à cultura, então esse ato é completamente inconstitucional", diz ele. "É uma tentativa de deslocar a obra do tempo e das circunstâncias em que foi criada para atacar um partido. Ela foi deturpada, censurada e desvirtuada."
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