CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Relações sexuais com menores de idade foram retratadas sob diferentes prismas em três filmes na competição principal do Festival de Cannes.

No caso de "Le Retour", de Catherine Corsini, o aflorar do sexo jovial é um detalhe na trama, mas uma cena teve de ser cortada após denúncias. Em "May December", a temática é encarada pelo ângulo da saúde mental em uma trama mirabolante. Mas foi Catherine Breillat quem trouxe a pedofilia de maneira frontal no seu novo longa, "L'Été Dernier", ou o último verão, exibido nesta quinta-feira, 25.

O trabalho marca também um retorno da francesa às telonas. Seu filme anterior é de dez anos atrás, "Uma Relação Delicada", em que Isabelle Huppert encena a recuperação de um derrame sofrido pela própria Breillat.

Representações controversas sempre fizeram parte de suas incursões como diretora e roteirista. Além de colaborações com Marco Bellocchio e Maurice Pialat, sua obra faz um extenso painel do mundo feminino sem proselitismo.

Suas personagens desafiam os limites do desejo, enfrentam a reprovação ("Para Minha Irmã"), se cansam da paixão e se entregam a uma vida lasciva ("Romance") ou fazem da sedução um esporte perigoso (como no seminal "Uma Adolescente de Verdade").

Seus filmes não têm rodeios, e isso se repete em "L'Été Dérnier". Léa Drucker interpreta Anne, uma advogada que cuida de casos de crianças e adolescentes. Ela irá se apaixonar e transar seguidas vezes com seu enteado de 17 anos, Théo, primeiro papel de Samuel Kircher.

Com um porte de twink, magérrimo e com trejeitos de Timothée Chalamet, ele aparece pela primeira vez molhado e sem camisa. Deixará o corpo à mostra em diversas ocasiões, sempre com roupas leves ou transparentes.

Breillat deixa tudo claro em poucos planos. Seu jeito marrento encanta a mulher, já um pouco cansada do casamento monótono, mas não exatamente ruim, já que o casal adotou duas pequenas. Os perigos do desejo vão desencadear uma crise, ainda que Anne pareça se reprovar repetidamente.

Em paralelo, cuida de casos relativos à guarda de pais abusivos ou de uma menor que dormiu com vários homens em seguida, até sua rotina sexual desmoronar. "Sempre diga a verdade", aconselha Anne, que ironicamente vai se enredar numa situação delicada.

A trama pode parecer familiar. Trata-se de um remake do dinamarquês "Rainha de Copas", de 2019. A versão anterior é recente, mas dá para entender, tanto pelo lado comerical e artístico, porque ele foi parar nas mãos de Breillat.

Honesta, ela nos integra a um espetáculo voyeurístico e joga a decisão nas nossas mãos. A história de Anne e Théo passa por transformações, as coisas saem do controle por um momento, mas são retomadas na chave da insistência e da frieza.

A moral, afinal, é mais complexa que o mundo jurídico. Anne prova isso por meio do seu corpo. Se deleita no sexo com o rapaz, geme sem surpresas, entende a passividade como forma de dominação.

Já com o marido, Anne conta histórias sexuais da sua adolescência. "Eu amei um amigo da minha mãe, que tinha 33 anos. Aos 14, eu já o considerava quase um cadáver", diz a certa altura.

Breillat não se interessa por sutilezas, o que pode incomodar frente à natureza de seus temas. Apesar do conjunto sólido, não é um retorno tão triunfal quanto aguardado para uma cineasta de seu porte.

Ao menos ela sabe manter o seu estilo num tom abaixo, mais contido, que depende dos closes em seus atores. Théo vai de anjinho safado a um adolescente com crise de consciência, enquanto Anne dissimula seus pecados.

"L'Été Dernier" parece uma joia menor frente ao que Breillat já construiu em quase 50 anos de carreira. Ainda assim, é, neste Festival de Cannes, a que trouxe a obra mais sincera da competição.


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