SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Figura indissociável da história do teatro brasileiro, José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto nesta quinta-feira (6) após um incêndio em seu apartamento, levou sua linguagem e seus temas transgressores e rebeldes também às telas.
Apesar de tímida, sua obra cinematográfica data do início dos anos 1970, pouco depois de ele começar a ganhar projeção nas artes cênicas.
A estreia como diretor de cinema foi em 1972, com um curta sobre os bastidores de seu Teatro Oficina. Como roteirista, foi no mesmo ano, em "Prata Palomares", selecionado pelo Festival de Cannes mas impedido de ser exibido devido à censura da ditadura militar, que o proibiu por se debruçar sobre o tema da guerrilha.
Como ator, Zé Celso apareceu nas telas pela primeira vez dois anos depois, em "Um Homem Célebre", longa de Miguel Faria Jr. baseado no conto de Machado de Assis sobre um músico popular que quer ser erudito.
Outros trabalhos de menor projeção seguiram, até que em 1982 causou furor com uma gravação da peça igualmente inquietante "O Rei da Vela". Registrada mais de uma década antes, ela foi levada às telas com Renato Borghi como o agiota Abelardo 1º, que deseja ascender socialmente e metralha quem aparece em seu caminho.
Nos bastidores do cinema, o trabalho de Zé Celso parou por aí. Como ator, participou de "A Caminho das Índias", no mesmo ano, e ressurgiu nos anos 2000, com uma ponta em "Árido Movie". No longa de Lírio Ferreira, fez o papel de Meu Velho, um homem misterioso que alegava ser capaz de controlar as águas em meio ao desértico sertão nordestino.
Em 2008, se uniu a outro provocador nas artes no Brasil, José Mojica Marins, o Zé do Caixão, em "Encarnação do Demônio", filme em que o icônico personagem retomava a busca pela mulher perfeita para gerar seu filho.
Na sequência, fez parte de um grande encontro de expoentes da contracultura em "Ralé", longa dirigido por Helena Ignez e protagonizado por Ney Matogrosso, que vive o dono de uma fazenda prestes a se casar com um jovem dançarino. Sexualmente libertador, como o trabalho de Zé Celso no teatro, o longa investiga as amarras conservadoras e a busca por identidade no país.
Seu primeiro protagonista no cinema veio apenas em 2019, com "Horácio", de Mathias Mangin, sobre uma família disfuncional alheia às normas sociais, e no qual o ator e diretor interpretou uma espécie de femme fatale, um contrabandista de cigarros gay que vive no Bexiga, região onde fica o Teatro Oficina.
À época, ele disse a este jornal que se inspirou em Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson em "Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder, para o personagem. "Eu nasci cineasta", disse ainda na ocasião, reforçando sua cinefilia.
"Em Araraquara, no interior de São Paulo [onde passou a infância], ia ao cinema todos os dias. Minhas peças têm ligação com os filmes de diretores italianos como Pier Paolo Pasolini e Luchino Visconti, russos como Serguei Eisenstein, e outros."
Depois de "Horácio" veio "Fédro", seu último trabalho nos filmes, lançado no ano passado. Um documentário, o longa com direção de Marcelo Sebá reuniu Zé Celso e Reynaldo Gianecchini, que já foi do Oficina antes de abandonar os palcos rumo às novelas.
Numa das cenas, evocando a crueza da conversa que os dois mantêm, o ator-diretor pede ao antigo aprendiz que ele tire a roupa. Desconfortável, ele cede após um pouco de convencimento, numa nudez que ilustra a lealdade e autenticidade que motivaram aquele encontro, duas décadas depois de trabalharem juntos.
Na televisão, também, Zé Celso fez algumas investidas. Foi ele próprio para a Globo com a novela "Cordel Encantado", de 2011, na qual fez Amadeus, um astrólogo e conselheiro do rei da trama fantasiosa. Brincou com o humor absurdo de sua obra teatral ao interpretar os sonhos e delírios do monarca.
Após a estreia na televisão, retornou às telinhas, seis anos depois, na série "Manual para se Defender de Aliens, Ninjas e Zumbis", primeiro grande orçamento dos canais da Warner no Brasil.
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