SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Bienal do Livro do Rio de Janeiro foi engrenando de leve nesta sexta-feira(1), seu primeiro dia. Ainda dava para circular livremente nos corredores do Riocentro, uma liberdade que certamente será revista ao longo do fim de semana.
E começou em clima de homenagem -a si mesma e aos autores que fizeram sua história. A abertura congregou autores de diferentes gerações, apresentados por seus anos de nascimento, que marcaram os 40 anos recém-completos da Bienal.
Mauricio de Sousa, nascido em 1935, causou a maior comoção, como costuma acontecer em eventos desse tipo. Estrela maior das narrativas para crianças há décadas, ele cativou de pais e mães até crianças que não poupavam a goela berrando "Mauricio" usando orelhas de coelho azul.
O quadrinista comentou que, assim como a maioria dos presentes, aprendeu a ler com gibis. E com 7 anos de idade, ele diz que já sabia que queria adotar a carreira que ainda exerce aos 87.
Ana Maria Machado, nascida em 1941, e Ruy Castro, sete anos mais novo, concentraram suas falas na liberdade que é fundamental ao fazer literário.
De todas as suas participações na Bienal -e foram tantas que ele brincou que deveriam "dar a chave do Riocentro" a ele logo-, Castro afirmou que as mais memoráveis foram aquelas em que brigou pelo fim do cerceio de biografias por biografados insatisfeitos.
A questão se encerrou com a famosa declaração "cala boca já morreu", da ministra Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal.
"Isso é uma marca da Bienal, contra a censura e pró liberdade de expressão", completou Machado logo depois. "Quando teve um prefeito que queria proibir um gibi, houve aqui uma reação valente e corajosa. A Bienal é território de pensamento livre", disse, provocando uma onda de aplausos.
Thalita Rebouças, de 1974, lembrou que sua carreira começou na Bienal e se criou toda nela. Há 20 anos, ela vinha apresentar seus livros de maneira independente e, num episódio que costuma reiterar, chegou a ficar plantada por uma hora sem ser abordada por vivalma, se sentindo invisível. Hoje, está na mesa de maior prestígio da Bienal.
Clara Alves nasceu em 1993 e é uma das curadoras dessa edição, além de fenômeno recente da literatura young adult de sensibilidade LGBTQIA+. E sua fala resumiu bem o tom que o evento quis dar à mesa: "esses aqui são autores que me inspiraram a ver que eu poderia ser escritora".
Esse tom de homenagem misturado com passagem de bastão permeou também a próxima mesa daquele palco da Bienal, em torno de Ana Maria Gonçalves e seu "Um Defeito de Cor".
A mesa fez parte de um movimento que se dedica cada vez mais a localizar o romance como um clássico moderno e um precursor da literatura negra que hoje é pujante nas grandes editoras.
Foi a primeira vez no Brasil que uma escritora segurou a mão do leitor e o fez acompanhar a história de uma mulher negra escravizada por 900 páginas, como disse o mediador Alexandre dos Santos.
Gonçalves foi saudada por dois outros nomes de proa da literatura nacional, Paulo Lins e Cidinha da Silva, e dois carnavalescos da Portela, Antônio Gonzaga e André Rodrigues --responsáveis por adaptar "Um Defeito de Cor", veja só, para um samba-enredo no Carnaval de 2024.
"É difícil imaginar que a arte do Carnaval ocuparia esse lugar tão disputado aqui", disse Rodrigues a certa altura.
Por falar nisso, num outro pavilhão, Luiz Antonio Simas recebeu colegas para uma mesa ao estilo "sextou", conversando descontraidamente sobre como tinha se dado seu arrebatamento pela literatura. No papo com Alberto Mussa, Bruna Beber e Marcelo Moutinho, só fez falta um copo de chope e uma mesa de plástico entre eles.
Já no pequeno estande da Academia Brasileira de Letras, logo em frente, uma versão virtual de Machado de Assis -quase como um espírito, projetado num modelo de madeira em tamanho real- recebia os visitantes com uma mensagem curta de boas-vindas.
Tem realmente espaço para tudo nos 100 mil metros quadrados de Bienal. O evento segue até o domingo que vem, dia 10.
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