SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde que chegou ao Brasil na quinta-feira, Junji Ito, o quadrinista japonês mais disputado hoje por aqui e publicado por pelo menos quatro casas diferentes, foi ao Beco do Batman, em São Paulo, provou sua primeira rapadura e bebeu sua primeira caipirinha. Tudo com o jeitão tímido e sorridente, pueril, que esconde os 60 anos completados este ano.

"Eu estou aqui há 60 anos já, mas, quando desenho, faço isso pensando no meu eu de 20, 30 anos atrás", diz ele à reportagem na Comic-Con Experience, a CCXP, onde é um dos convidados de destaque. Em 2021, Ito participou remotamente de um painel da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, mas nunca havia viajado ao país.

Além da idade, seu porte franzino esconde um outro lado de Ito, um dos maiores autores de terror no cenário de quadrinhos atual. Com seu preto e branco barroco, o artista enverga corpos, mutiplica e decepa membros e deforma rostos num excesso de grotesco que contrasta com as belas faces joviais de seus protagonistas --um detalhe pelo qual ele é obcecado.

Mas se seus gibis podem parecer fruto de uma mente perversa, Ito confessa ser bastante sensível às violências reais. "Eu sofro muito com a violência que acontece no mundo. Tento não colocar isso no meu horror, tento fazer uma coisa aquém disso", afirma ele, cujo horror nasce do insólito.

Antes de viver de suas histórias, ele era dentista, fazia próteses e desenhava no tempo livre. Foi ainda nessa rotina que publicou "Tomie", de 1987, sua obra de estreia e já considerada hoje um de seus grandes clássicos, estrelado por uma jovem com poderes sedutores e assassinos sem igual.

Todas as vítimas da garota, na verdade, acabando a matando, mas ela sempre ressurge, em uma sequência de episódios perturbadores. O quadrinho recebeu menção honrosa, em 1988, em um dos prêmios mais importantes do terror no Japão, batizado em homenagem ao quadrinista Kazuo Umezu, que também estava entre os jurados.

O sucesso conquistou um público fiel e faminto por suas histórias --a maioria delas, contos curtos e viciantes-- ao longo de três décadas. Seus trabalhos de destaque incluem "Uzumaki", sobre uma cidade que é contaminada por uma obsessão por espirais, "Gyo", sobre um apocalipse provocado por peixes mutantes com pernas mecânicas, além de releitura do "Frankenstein" de Mary Shelley.

No Brasil, além da Pipoca e Nanquim, publicaram o autor as editoras Devir, JBC e Darkside. Esta última lançou "Contos de Horror da Mimi" no final do ano passado, quando o autor detalhou a este repórter o seu processo criativo.

"Como a maioria das ideias são fragmentadas, começo expandindo esses pedaços. Pesquiso e enumero assuntos e coisas relacionadas à ideia e faço combinação entre elas."

"Penso em como montar os personagens e o cenário para dar vida da forma mais eficaz aos aspectos-chave da ideia inicial", ele diz. "Durante esse processo, acabo num impasse. Se não consigo chegar a uma solução, paro tudo e vou tomar um banho de ofurô."

Ito lista entre suas principais referências Kasuo Umezu e Hideshi Hino, outro mestre do terror. No ensino médio, se fascinou por Yasutaka Tsutsui, de "Paprika". Depois, conheceu o terror cósmico de H.P. Lovecraft, muito influente em sua obra. Nas artes plásticas, destaca H.R. Giger, mente por trás da biotecnologia e das criaturas do filme "Alien".

"Meu desejo em relação ao meu trabalho é que ele seja sem precedentes. Crio com a esperança de que eles possam dar aos leitores uma nova surpresa", afirma o autor.


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