SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Filósofo, professor, poeta, escritor, ativista político, militante social e uma das vozes do pensamento quilombola. Essas são algumas das tentativas de definir quem foi Antônio Bispo. Mas não são as únicas. Segundo escritores, historiadores, leitores e pesquisadores, elas tampouco esgotam a complexidade da obra de Nêgo Bispo, como ele era conhecido.
O semeador da palavra, outro dos nomes pelo qual ele era chamado, morreu no último domingo, vítima de parada cardíaca, aos 63 anos. Uma das características de seu trabalho foi provocar as estruturas da academia baseadas em conhecimentos eurocêntricos.
Ele se tornou referência do movimento anticolonial e da luta antirracista. É autor de "Colonização, Quilombos, Modos e Significações" e "A Terra Dá, A Terra Quer", livros importantes para a consolidação do pensamento quilombola.
Justamente esse é considerado um de seus legados, debater, valorizar e reivindicar o conhecimento produzido por essas comunidades.
"Ele provou que a construção do conhecimento se dá na perspectiva do envolvimento, e não do desenvolvimento. Compartilhamento com respeito. Quilombos enquanto espaços de conhecimento, como sujeito, e não objeto", diz a escritora Rosane Jovelino.
Segundo ela, Bispo combateu o racismo estrutural com diálogos e reflexões da importância dos quilombos como espaço de resistência. Ele respeitava mulheres como ventre gerador da vida e lutou por comunidades autossustentáveis.
"Ele defendia a vida, porque, para Nêgo Bispo, todas as vidas e criação divina importam. Para ele, o pensamento colonial é linear, por isso tem limite."
Crítico do modo de organização da sociedade, formada a partir da colonização, Bispo escreveu que colonizar um povo é como adestrar um boi. Ambas as ações consistem na remoção da identidade, mudança de território e condenação do modo de vida alheio.
O pensador propôs o contracolonialismo, a recusa do povo à colonização, praticado há séculos por africanos, indígenas e quilombolas.
Segundo o escritor Flávio Gomes, Bispo confrontava o mundo acadêmico que insiste e acredita que ainda "descobre" os quilombos. Ele criticava a incapacidade da universidade de aprender com os quilombolas. Dizia que ela deveria ser ensinada a partir dos saberes deles.
"A obra de Nêgo Bispo é original. Trouxe perspectivas epistemológicas para pensar os quilombolas para além de uma naturalizada visão de remanescentes", diz o também professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de diversos livros sobre quilombos.
"[Os quilombolas], como outros povos, a exemplo dos maroons e palenques, são coletividades étnicas produtoras de saberes e cosmologias sobre a terra e territórios fantásticos e ainda pouco conhecidos. Nêgo Bispoescrevia, falava e vivia isso."
Nascido na comunidade Saco do Curtume, no Piauí, Bispo ganhou notoriedade em movimentos sociais nos anos 1990, quando se filiou a partidos políticos.
Ele atuou ainda na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. Um dos pontos mais destacados pelo próprio Nêgo Bispo sobre o seu pensamento era o conceito decolonial.
A este jornal, em maio, o pensador quilombola afirmou que só pode ser decolonizado quem foi colonizado. Qualquer pessoa que se sinta colonizada pode lutar para ser decolonial.
"Seu principal legado é o reforço para a coletividade como um fator fundamental do que somos. E a partir da coletividade, trazia a relevância de bebermos em nossa ancestralidade e de como ela sempre orienta nossa caminhada",afirma Bárbara Oliveira, doutora em antropologia social pela Universidade de Brasília.
Bispo, diz, foi um grande poeta que deu voz e cor às lutas negras e quilombolas. Circulou por universidades do Brasil e do exterior, publicou livros, participou de espaços de negociação por direitos das comunidades quilombolas em instâncias governamentais e montou redes de luta por direitos com ativistas.
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!