SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mas "Saudosa Maloca", que chega às salas nesta semana, toma um caminho diferente das biografias que se avolumam por aqui. O longa não pretende narrar uma carreira completa, como "Mamonas Assassinas: O Filme", e tampouco um recorte específico e formativo do artista, como em "Meu Nome É Gal".

Dirigido por Pedro Serrano, o longa, na verdade, fala mais sobre a cidade de São Paulo do que de Adoniran, usando as letras de uma das figuras mais paulistanas da música para mostrar as transformações dos anos 1950 até a cidade engolida por concreto de hoje.

Adoniran empresta, por exemplo, os versos de "Trem das Onze" a um personagem que precisa se desculpar por deixar abruptamente uma noite de bebedeira e jogatina com os amigos. "Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem, que sai agora às 11 horas, só amanhã de manhã", diz ele antes de abandoná-los, na pressa.

Ou "Foi aqui seu moço/ Que eu, Mato Grosso e o Joca/ Construímos nossa maloca/ Mas um dia nem quero me lembrar/ Veio os homens com as ferramentas/ O dono mandou derrubar", que saem da boca do próprio protagonista ao relembrar a "saudosa maloca" onde morava com os dois melhores amigos.

Em cena, Paulo Miklos vive pela segunda vez o sambista. Há dez anos, ele já tinha interpretado Adoniran em "Dá Licença de Contar", curta que eventualmente se transformaria em "Saudosa Maloca", do mesmo diretor, Pedro Serrano.

"Desde o princípio a minha ideia foi jogar um olhar para São Paulo e seus conflitos sociais por meio da obra do Adoniran. Às vezes é mais interessante falar de um artista por meio da sua obra do que pela sua vida", diz ele, que compara o filme mais a "Eduardo e Mônica", que dá vida a personagens e situações do cancioneiro do Legião Urbana, do que a uma biografia. "Se você pode adaptar uma obra literária, por que não uma música?"

"Esse Adoniran veio com muito estudo, não é o mesmo que eu conheci na adolescência. Eu sempre amei o samba dele, e a minha formação de músico vem da música popular brasileira. Então fiquei muito feliz de resgatar essa figura emblemática", diz o ator e ex-Titãs, que recebeu durante os preparativos uma espécie de glossário de "adonirês" para reproduzir a icônica fala errada do sambista.

Uma de suas principais fontes de estudo foi o documentário "Adoniran: Meu Nome é João Rubinato", também dirigido por Serrano, que, como já tinha narrado a trajetória do autor de

"Tiro ao Álvaro" com fidelidade, quis neste projeto tomar uma licença poética, enveredando para o campo da ficção.

Claro, Adoniran está em cena, mas ele é apenas o fio condutor para personagens que habitam suas músicas. Joca e Mato Grosso, feitos por Gustavo Machado e Gero Camilo, estão lá, povoando as ruas do Bexiga, romantizado pela influência italiana e ameaçado pelo avanço das empreiteiras.

Tudo isso alternando os anos 1950 e um quase presente, em que um Adoniran mais velho e bem-sucedido narra ao garçom de um bar da região as histórias que viveu ali, em meio a rodas de samba. O atendente, papel de Sidney Santiago, vive uma situação parecida, sendo ameaçado de despejo também pela força crescente da especulação imobiliária.

São vários os paralelos traçados entre a cidade daquelas duas décadas, 1950 e 1980, e a de hoje. "O conflito principal do filme é o tema da moradia, e a gente está vendo isso cada vez mais exacerbado. Hoje qualquer sobrado está perecendo diante da verticalização da cidade. O legal é poder usar o Adoniran para refletir sobre a nossa cidade", diz Serrano.

As gravações do filme aconteceram em endereços que resistiram à força da especulação imobiliária, como a Vila Itororó, no próprio Bexiga, e a Vila Maria Zélia, na zona leste. Para uma das cenas, num bonde, a equipe precisou ir a Santos, cidade do litoral paulista em que o veículo ainda circula.

A comédia de "Saudosa Maloca", também, buscou referências em filmes do passado, encontrando em Charles Chaplin, Buster Keaton e Amácio Mazzaropi o tipo de humor pastelão que ajudou a trama a mergulhar no universo de um músico anacrônico, preso ao passado.

"O Adoniran tinha uma visão humanista, simples, que o aproximava do povo. E era com bom humor que ele introduzia dramas, tragédias e outras dificuldades à sua obra, escrevendo crônicas da cidade de São Paulo resistindo à modernidade. Ele era de um tempo poético, contra esse movimento feroz do que chamava de ?pogressio?", diz Miklos.

SAUDOSA MALOCA

Quando Estreia nesta quinta (21), nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco Paulo Miklos, Gero Camilo e Sidney Santiago

Produção Brasil, 2023

Direção Pedro Soffer Serrano


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