SÃO MIGUEL DAS MISSÕES, RS (FOLHAPRESS) - Com mais de 16 mil quilômetros quadrados de área e 26 municípios que somados têm 314 mil habitantes, aproximadamente, a região das Missões, no Rio Grande do Sul, é um destino conhecido para turismo religioso, mas também é especial para quem quiser mergulhar na história do Brasil e da América Latina.
Nos limites da região, localizada no oeste do estado, temos, como ponto mais ao sul, Bossoroca. Ao norte, Porto Xavier. Ao leste, Eugênio de Castro. E no ponto mais ocidental, a cidade de São Borja, terra de Getúlio Vargas e João Goulart.
Entre os 26 municípios, a viagem ganha mais força em Santo Antônio das Missões, São Borja e, principalmente, São Miguel das Missões, onde está a maior parte das ruínas e sítios de visitação. Mas cada um deles tem algo que faz valer a visita.
Uma coisa que um paulistano de nascimento e formação como eu nota, quando decide morar em Porto Alegre, é que a proximidade com o Uruguai e a Argentina dão uma cor especial ao Rio Grande do Sul. Não deixa de ser um estado brasileiro, mas a influência dos vizinhos sul-americanos é obviamente maior que em São Paulo, que sofre mais influência de italianos, japoneses, libaneses e portugueses, além de mineiros e nordestinos.
Nas cidades próximas ao rio Uruguai, na divisa do Brasil com a Argentina, ou ao rio Jaguarão, na divisa entre Brasil e Uruguai, ou em qualquer outro ponto das fronteiras entre esses países, as influências aumentam e temos um outro tipo de vida, com suas peculiaridades. O morador de uma cidade fronteiriça tem praticamente uma dupla nacionalidade.
Em São Borja, Garruchos ou Porto Xavier, para ficarmos na região das Missões, a similaridade de costumes com nossos hermanos é mais sensível, e como a fronteira é com o norte da Argentina, há o mesmo sentimento de estar "longe demais das capitais", para ecoar uma famosa letra da banda de rock gaúcha Engenheiros do Hawaii.
Quem vive mais perto da fronteira com outros países se acostuma com um sentimento de irmandade mais forte entre países, que só é prejudicado quando o patriotismo exacerbado, ou algum problema circunstancial, impede que se perceba o outro.
As missões, também chamadas reduções, foram criadas porque, do ponto de vista dos europeus, "era necessário domesticar o outro", no caso, os indígenas, dando a eles a nossa religião, nossos costumes, nossa língua, nossos vícios. Não é um problema de fronteira, mas é parecido. "O outro me incomoda, pois não pensa e age como eu."
Desde o século 17, os jesuítas tentaram catequizar os povos guarani que viviam na região. Os bandeirantes paulistas praticamente destruíram as reduções jesuíticas, que foram reconstruídas em seguida formando os Sete Povos das Missões, entre 1682 e 1706.
São estes os Sete Povos, na ordem cronológica de fundação, com os nomes atuais dos que se tornaram municípios futuramente: São Francisco de Borja (São Borja), São Miguel Arcanjo (São Miguel das Missões), São Nicolau do Piratini (São Nicolau), São Luiz Gonzaga (mesmo nome), São João Batista, São Lourenço Mártir, Santo Ângelo Custódio (Santo Ângelo).
A combinação do conhecimento dos jesuítas com as técnicas indígenas de agricultura e pecuária fez a região prosperar, num regime de cooperativa, até meados do século 18, quando novos acontecimentos históricos abalaram a aparente estabilidade da região das Missões.
Em primeiro lugar, houve o Tratado de Madri, em 1750, que demarcava novas fronteiras nas colônias da América do Sul e um ponto importante na longa disputa entre Portugal e Espanha pelas terras que hoje compõem o Rio Grande do Sul. Logo em seguida aconteceu a Guerra Guaranítica (1753-1756), em que os indígenas procuravam se libertar dos colonizadores.
"Nossa riqueza é a nossa liberdade. Esta terra tem dono, e não é português nem espanhol, mas guarani." As palavras do líder indígena Sepé Tiaraju fortaleciam os guerreiros contra os ibéricos. Sua morte, na Batalha de Caiboaté, em 1756, pôs fim à guerra. Seu corpo jamais foi encontrado. Por isso acreditam que Sepé subiu aos céus. Ou melhor, tornou-se São Sepé, conforme o nome de uma cidade mais ao sul do estado, entre Santa Maria e Caçapava, fora da região das Missões.
Quem quiser conhecer essa região, mas não tiver tempo de percorrê-la por inteiro, não perderá se ficar concentrado em São Miguel das Missões ou em alguma cidade vizinha. O sítio turístico das Missões Jesuíticas Guaranis, localizado nesse município, foi declarado Patrimônio Mundial pela Unesco.
Nele, é possível observar como funcionavam as reduções, onde era a igreja, a cozinha, a escola, as casas dos indígenas, os banheiros. A apresentação geral das ruínas e o museu localizado na entrada para visitantes, junto à simbólica cruz missioneira, já nos coloca em meio a uma energia indescritível.
É impossível não se encantar com as ruínas da igreja de São Miguel, construída em 1735, em estilo barroco, pelo arquiteto italiano Gian Batista Primoli. Quando vista de longe, a frente da igreja compõe uma paisagem inesquecível, que convida o visitante a conhecê-la de perto.
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