SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem deve precisa de ativos com liquidez para honrar seus compromissos. No caso do grupo francês Casino, que no Brasil controla o GPA e o Assaí, a estratégia é oferecer parte da maior rede de atacarejo do país, responsável por um faturamento bruto de R$ 42,2 bilhões nos nove primeiros meses deste ano, dona de mais de mil lojas.
Foi o que os franceses fizeram nesta segunda-feira (28), com a oferta subsequente de ações (follow-on, em inglês) de 140,8 milhões de ações do Assaí, equivalente a 10,4% do capital da empresa. O valor pretendido somava R$ 3,6 bilhões, já considerando uma segunda oferta adicional de 49,5 milhões de ações (o que iria atingir uma fatia de 14,1%).
A procura dos investidores pelos papéis foi alta. Segundo duas fontes ouvidas pela reporagem, que acompanham a operação, a demanda pelas 190,3 milhões de ações já estaria cerca de duas vezes acima do tamanho total da oferta, ultrapassando os R$ 7 bilhões.
O valor só será definido após a fixação do preço por ação no âmbito da oferta. Na Bolsa de Valores, as ações do Assaí fecharam esta terça em leve alta de 0,4%, a R$ 19,40, mas a tendência é que o preço por ação no processo de venda pelo Casino saia pouco abaixo do valor negociado em Bolsa, de modo a atrair a demanda dos investidores.
O Assaí é a segunda maior rede varejista do Brasil, atrás apenas do Carrefour, segundo ranking da Abras (Associação Brasileira de Supermercados). Isso porque o Carrefour consolida os resultados da própria rede com os do Atacadão, rival direto do Assaí.
O francês Casino tem uma dívida bruta de 7 bilhões de euros (R$ 38,5 bilhões) e dívida líquida que soma 4,5 bilhões de euros (R$ 24,7 bilhões). Com a venda de parte do Assaí, a participação do Casino vai ser diluída: de controlador, com 41%, ele passa a ser um acionista relevante, com 27%.
E, futuramente, segundo analistas e consultores de varejo ouvidos pela reportagem, a tendência é que o Assaí se torne uma "corporation", uma empresa sem um dono específico, com capital pulverizado na Bolsa.
"O Casino está pavimentando o caminho para o Assaí se tornar uma uma corporation", diz Danniela Eiger, principal analista da XP para o mercado de varejo, destacando que o Assaí é o ativo mais líquido do grupo francês.
Segundo ela, o Casino tem feito ajustes na governança do Assaí, que sinalizam esta saída "à francesa" do controle do grupo atacadista, preparando a rede de atacarejo para transformá-la em uma empresa sem dono.
"Prova da diminuição da influência do Casino no Assaí foi a substituição, no conselho da rede, de um membro do grupo francês pelo próprio presidente do Assaí, Belmiro Gomes, que passou a integrar o board". Com isso, diz ela, o Casino passou a ter 5 assentos no conselho de 9 integrantes.
A expectativa é que na próxima renovação do board, em 23 de abril, essa presença diminua para 4 assentos, e que o número de conselheiros independentes aumente para além dos atuais três membros, como já sinalizou o próprio Assaí em reunião com analistas nesta segunda.
Na ocasião, de acordo com relatório do banco Goldman Sachs, assinado pela analista Irma Sgarz, Belmiro Gomes disse que o plano de se tornar uma corporation deve ser concluído em cinco anos.
Na governança da rede atacadista, o Casino também incluiu uma nova etapa para se obter aprovação de transações com partes relacionadas avaliadas acima de R$ 100 milhões, em que os acionistas interessados devem se abster de votar.
"Tudo isso fortalece a governança do Assaí e melhora a liquidez das ações", diz Danniela. "É natural que o Casino vá oferecendo suas ações em etapas, não saia de uma vez do comando do grupo, para poder se beneficiar desta valorização das ações."
Questionado pela reportagem, o Casino negou a intenção de sair do país.
O consultor em varejo Eugênio Foganholo concorda. "O Casino não vai anunciar aos quatro cantos que quer deixar de ser controlador do Assaí, o que poderia desvalorizar as ações da rede", afirma Foganholo, sócio da Mixxer Desenvolvimento Empresarial. "Vai saindo aos poucos do controle, à francesa."
Segundo ele, o Casino tem promovido iniciativas para separar as empresas do grupo (spin-off) a fim de destravar valor em cada uma. "Foi assim com o Assaí, que se tornou uma empresa em separado em março do ano passado, e com valor de mercado superior ao GPA [Grupo Pão de Açúçar]", afirma. "Em setembro deste ano, foi a vez de o GPA se separar do Êxito, da Colômbia, que estavam na mesma estrutura."
O atacarejo, diz Foganholo, tem se mostrado a bola da vez diante do orçamento apertado do brasileiro. "E com a conversão de lojas Extra em Assaí, presente nos bairros, o atacarejo tende a chegar em um público que faz compras de reposição, e não só de abastecimento", diz ele.
Existem especulações, pelo menos desde o ano passado, sobre a saída do Casino da América Latina. Agrava o cenário a inflação na França, que vem corroendo as margens do grupo. O próprio Casino informou que pretende se desfazer de ativos no valor de 4,5 bilhões de euros (R$ 24,7 bilhões) até o final do próximo ano.
Segundo o jornal Valor Econômico, estariam na mira a venda de operações na Colômbia e no Uruguai.
"Não sabemos qual a agenda do Casino, mas está muito claro que o grupo tem uma estrutura de capital complicada e um nível de alavancagem muito alto, que precisa ser reduzido", afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail.
A reestruturação que desmembrou o colombiano Éxito e o brasileiro Pão de Açúcar é um movimento para dar mais liquidez para os ativos, lembra. "Mas claramente o Pão de Açúcar tem mais chances de destravar valor, porque a companhia está muito subavaliada em relação ao seu potencial."
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GRUPO CASINO
Fundação: 1.898
Sede: Saint-Étienne (França)
Funcionários: 208 mil
Lojas: 11.500
Principais bandeiras: Assaí e Pão de Açúcar (Brasil), Éxito (Colômbia), Casino, Géant e Monoprix (França), Disco (Uruguai), Libertad (Argentina) e Bao (Camarões).
Vendas líquidas/ano: 30,5 bilhões de euros
Fonte: Empresa
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