WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Enquanto o noticiário econômico dos Estados Unidos discute qual a previsão menos pior para a economia do país no ano que vem --se haverá uma recessão leve ou mais intensa--, um estado na costa oeste tem se preocupado menos.

Se fosse um país, a Califórnia seria a quinta maior economia do mundo. E em breve poderá ultrapassar a Alemanha, assumindo o quarto lugar, atrás apenas de EUA, China e Japão.

É o que aponta análise de dados da Bloomberg News, que examinou os balanços de 379 empresas do estado com capital acima de US$ 1 bilhão e os comparou com 155 companhias alemãs com porte similar.

As receitas das companhias americanas cresceram 147% nos últimos três anos, segundo a análise, enquanto as das empresas alemãs subiram 41%. No mesmo período, as companhias da Califórnia viram subir o valor de mercado em 117%, enquanto as da Alemanha, 34%. As projeções apontam que o PIB da Califórnia no ano que vem pode ser US$ 72 bilhões maior que o da Alemanha.

É no estado onde estão sediadas algumas das maiores empresas do mundo, como a Apple, a Alphabet (Google) e a Meta (Facebook), e onde fica o vale do Silício, berço de startups bilionárias da tecnologia.

Mas não são só as big techs que explicam o boom econômico da Califórnia. "A economia da Califórnia é uma muito diversificada. Uma das razões pelas quais vem crescendo tão rápido é que é uma economia empreendedora e na qual a inovação tecnológica é importante. Não são apenas as empresas de tecnologia em si, mas a inovação tecnológica", diz o economista Jerry Nickelsburg, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Por inovação tecnológica ele cita a presença de algumas das melhores universidades do mundo e a força de trabalho muito escolarizada. Inclui-se aí desenvolvimento na indústria agrícola e aeroespacial. Além disso, Los Angeles tem o porto mais movimentado do hemisfério ocidental, por onde circula a maior parte do comércio com a China.

Nickelsburg é autor do principal relatório de perspectivas econômicas do estado, o UCLA Anderson Forecast, que neste ano traz dois cenários, a depender das políticas econômicas adotadas pelo Fed, o Banco Central americano, no ano que vem.

"A boa notícia é que, ao contrário das últimas quatro desacelerações no crescimento econômico, esperamos um impacto mais brando na economia da Califórnia seja qual for o caminho que Fed tomar", diz o documento.

Mesmo no número de empregos, a situação não deve ser tão ruim quanto apontam as demissões em massa que ocorreram recentemente em empresas de tecnologia, segundo o estudo. "[O setor de] tecnologia é o que mais teve aumento de vagas nos últimos três meses. Os anúncios de demissões em grandes empresas de tecnologia como Twitter, Google e Salesforce poderia ser um indicador de contração no setor, mas os dados ainda não apontam isso."

Em cenário de recessão da economia americana, a expectativa dos economistas da Universidade da Califórnia é que o estado tenha uma queda do PIB menor do que a média nacional, e ainda assim com aumento de 0,5% da oferta de empregos no ano que vem, ainda que com redução de 1% na renda média.

Já em um cenário sem recessão nacional, o estudo prevê que a economia do país continue a crescer de maneira mais acelerada, liderada sobretudo pelo setor da construção civil, com aumento da oferta de empregos em 2,4%. A renda média, porém, pode cair 0,2% em decorrência do fim do pagamento de benefícios pela Covid-19.

A ampla oferta de vagas é notada pela brasileira Analice Paes, 43, há quase dez anos no estado. Em todo lugar onde passa na cidade onde vive, Riverside, no sul do estado, vê placas anunciando contratações, diz. "Não é só em restaurantes ou serviços do tipo. Sou enfermeira e na minha área chove oferta de trabalho", afirma.

Isso não significa, porém, que o estado não tenha problemas, e dois fatores são mais citados em pesquisas de opinião: a criminalidade e a crise imobiliária. Os homicídios aumentaram 7,2% entre 2020 e 2021, chegando a uma taxa de 6 assassinatos por 100 mil habitantes. O número de crimes violentos, que incluem também assaltos e outras infrações do tipo, cresceu 6,7% entre um ano e outro.

Há dois meses quebraram o vidro do carro de Gabriel Batista, 23, estacionado na porta de sua casa e levaram um celular que ele usa para trabalhar como entregador. "É a coisa mais comum do mundo. Você nem avisa a polícia, porque não adianta nada. Aciona só o seguro e para eles também é normal. Em uma hora já tinham trocado o vidro do meu carro", afirma ele, que diz conhecer casos de turistas que tiveram toda a bagagem roubada de carros estacionados.

Viralizaram nas redes vídeos de ladrões roubando iPhones, iPads e Macbooks à disposição em uma loja da Apple em Palo Alto em plena luz do dia durante a Black Friday, usando máscaras e colocando todos os objetos à mostra dentro de mochilas, sem constrangimentos.

A polícia estima que o prejuízo tenha sido de US$ 35 mil. A mesma loja havia sido roubada outras vezes da mesma forma. Em 2018, segundo a imprensa local, houve dois assaltos na mesma loja em menos de 24 horas de produtos que somados passavam dos US$ 100 mil.

Além disso, o estado tem 161,5 mil moradores de rua, 28% do total de sem-teto do país, segundo dados da National Alliance to End Homelessness. A maior parte está concentrada no condado de Los Angeles, com 63,7 mil sem-teto. É inclusive na cidade do sul do estado onde está a maior cracolândia do país, o bairro de Skid Row, onde milhares de pessoas consomem crack e heroína a céu aberto.

Apesar dos problemas, os brasileiros por lá não pretendem sair em breve. "É complicado, não se pode deixar uma garrafa de água dentro do carro porque estouram o vidro. Mesmo assim, não troco por nada", afirma Joyce Fernanda, 25, que trabalha como au pair (tipo de intercâmbio em que jovens trabalham como babás enquanto estudam).

"É o melhor clima dos EUA. Enquanto em outras partes do país já está nevando, aqui faz entre 15º C e 18º C. É um estado com muito imigrante, então tem também o calor humano que faz me sentir no Brasil. Vivo uma vida ótima e não pretendo sair por agora."


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