O ex-presidente da Americanas Sérgio Rial foi oficialmente substituído nesta segunda (16) na tarefa de tentar acalmar bancos credores e investidores, que havia assumido informalmente, após a notícia bombástica de que o balanço da companhia que presidia deixou de contabilizar dívidas de R$ 20 bilhões.
O conselho de administração da varejista contratou a Rothschild & Co como interlocutora na renegociação da dívida, no Brasil e no exterior. O banco de investimentos, controlado pela família Rotschild, tem escritórios em 57 países e Luiz Muniz, que chefia o braço brasileiro, é próximo do trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles -que, juntos, possuem 31% da empresa.
Rial, que, segundo fontes próximas da operação, participou da seleção da Rotschild para a função, não poderia assumir oficialmente essa negociação, já que é preside o conselho de administração do banco Santander Brasil -um dos credores da rede varejista. Ele continua como assessor do trio de empresários para cuidar da reestruturação societária que pode ser necessária numa eventual capitalização.
O banqueiro havia sido anunciado como presidente da Americanas no ano passado com a tarefa de "destravar o valor" da companhia -no jargão do mercado, uma empresa precisa ter seu valor destravado quando, embora tenha uma enorme capacidade de geração de caixa, é percebida pelos investidores como pouco atraente.
Assumiu o posto na virada do ano e, segundo executivos próximos, em menos de 48 horas se deparou com um problema que acabou se transformando em escândalo contábil bilionário.
Segundo relatos, dois executivos do grupo chegaram a ele com um relatório mostrando o que lhes parecia um erro de procedimento nos lançamentos. Inicialmente, Rial não teria se dado conta da gravidade do rombo, confundindo as ordens de grandeza e perguntando se eram R$ 20 milhões.
Ainda segundo relatos, Rial achou que se tratava de uma inconsistência "menor", que exigiria apenas um ajuste no balanço. Para uma empresa do porte da Americanas, R$ 20 milhões seria mesmo "nada", nas palavras de quem presenciou a cena.
Ao ouvir que eram R$ 20 bilhões, de acordo com executivos da varejista, chamou toda a equipe emergencialmente, incluindo o diretor de Relações com Investidores à época, André Covre. Os dois pediram demissão dez duas após a posse de Rial -e, segundo os executivos ouvidos pela reportagem, oito dias após tomarem pé da situação.
Rial acionou imediatamente Lemann, Sicupira e Telles, contou o que se passava na Americanas, pediu demissão, e concordou em prestar uma assessoria informal aos acionistas na tentativa de salvar a companhia, de acordo com pessoas próximas ao executivo.
Procurado, Rial não quis comentar. A Americanas não respondeu até a publicação deste texto.
Logo após o ex-banqueiro determinar a divulgação dos problemas encontrados, a Americanas foi à Justiça para tentar se proteger de ações judiciais de seus principais credores -fundamentalmente os maiores bancos da praça.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu uma espécie de carência, barrando qualquer tipo de pagamento antecipado a credores, para que a empresa pudesse se preparar para um eventual pedido de recuperação judicial.
O BTG Pactual foi o primeiro a recorrer da decisão. Ele emprestou R$ 2,3 bilhões à companhia como forma de financiar as compras de mercadorias por fornecedores.
Outros bancos, como Bradesco e Safra, planejam seguir o mesmo caminho.
Em seu pedido, o BTG -controlado por André Esteves- levanta a possibilidade de ter havido fraude e contesta a proteção judicial dada à rede para evitar a cobrança.
A revelação de inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões acionou um mecanismo contratual em que os credores podem cobrar antecipadamente a dívida integralmente. Especula-se no mercado que ela seja de cerca de R$ 40 bilhões, mas executivos da rede dizem que deve chegar a R$ 30 bilhões, no máximo.
SABIA OU NÃO SABIA?
O escândalo fez consultores, concorrentes e agentes do mercado debaterem se Rial sabia ou não do problema contábil quando aceitou presidir a Americanas.
Segundo pessoas próximas, ele afirma que não sabia. Interlocutores do executivo na empresa afirmam que ele concordou em dirigi-la tendo acesso a dados abertos. Dizem ainda que, por se tratar de uma companhia listada na B3, o ex-banqueiro só poderia fazer uma due dilligence (vistoria prévia) já com um contrato assinado. Foi isso o que ocorreu, ainda segundo relatos.
O ex-banqueiro queria utilizar sua experiência acumulada no Santander -instituição que ele presidiu e consolidou como importante rede varejista- e na Marfrig para reposicionar a Americanas.
Outro questionamento de banqueiros se refere ao fato de o executivo ter "mudado de lado" e passado a, supostamente, trabalhar pelos acionistas bilionários.
Uma das condições impostas por Rial para que ajudasse os três a salvar a empresa foi a ampla publicidade das falhas. O executivo afirmou internamente na Americanas que a divulgação foi a prova de que não tinha conhecimento prévio.
O argumento de Rial para deixar a presidência da rede foi o de que, com a descoberta das falhas, ele teria de usar sua experiência como banqueiro para renegociar dívidas, algo para o que não tinha sido contratado.
A negociação está diretamente relacionada ao rombo agora divulgado, que se deve a operações de antecipação de recebíveis a fornecedores da Americanas. Por meio delas, os bancos antecipam a fornecedores pagamentos que a varejista só faria após alguns meses, e depois são ressarcidos pela Americanas, com cobrança d ejuros.
Essas operações -conhecidas como risco sacado- foram registradas incorretamente no balanço. Em vez de lançamentos na conta de despesas com fornecedores, deveriam ter sido consideradas dívidas com instituições financeiras. Os credores não sabem ainda se os juros cobrados nessas operações foram computados, o que tornaria a dívida ainda maior.
Se aceitasse desempenhar essa função de negociação com os bancos, Rial teria de negociar com o Santander, algo que se configuraria conflito de interesse, inviabilizando sua permanência no conselho do banco.
Por isso, Rial aceitou continuar como consultor do grupo de acionistas, desde que fosse blindado. A saída foi a contratação de Luiz Muniz, que comanda o banco Rothschild no Brasil, instituição que vai conduzir as conversas com os credores.
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