SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um cidadão de Jerusalém do século 1, caso fosse levado ao século 18 por uma máquina do tempo, não estranharia tanto as coisas: haveria mais gente e novos costumes, mas a expectativa de vida e os modos de trabalho, como plantar e fabricar utensílios, tinham mudado pouco.

No entanto, um cidadão do começo do século 18 que fosse trazido para os dias atuais não entenderia nada ao ver carros, celulares e robôs que produzem coisas, aponta o economista Oded Galor, no livro "A Jornada da Humanidade" (ed. Intrínseca).

Na obra, Galor apresenta sua visão sobre quais fatores levaram a humanidade a dar um salto tecnológico impressionante em pouco mais de dois séculos, depois de milênios de avanços lentos, e como esta mudança gerou enormes desigualdades.

Criador da teoria unificada do crescimento econômico e professor da universidade Brown, ele considera que os principais motores para este salto foram o avanço da educação e a redução das taxas de natalidade: com menos filhos, foi possível investir mais na formação deles. Em um ciclo virtuoso, mais gente com conhecimento passou a inventar coisas e a avançar a revolução tecnológica, o que facilitou o acesso a novos produtos para cada vez mais gente.

No entanto, boa parte das sociedades do mundo ficaram para trás: se industrializaram tarde e não conseguiram alcançar a qualidade de vida dos países desenvolvidos. Em conversa por videochamada com a Folha de S.Paulo, Galor falou sobre como vê as perspectivas para o Brasil e a América Latina.

**PERGUNTA - Como avalia a desigualdade social no Brasil?**

ODED GALOR - Muito dela tem origem em forças surgidas centenas ou milhares de anos atrás. No Brasil, um dos obstáculos históricos da prosperidade é que a geografia do país favorece o cultivo agrícola em grandes plantações. Essas plantações levaram ao surgimento de uma elite que controla a agenda política e o formato das instituições.

Assim, as instituições têm um desenho extrativista. Estas entidades são formadas de modo a sustentar a desigualdade na sociedade e manter os privilégios das elites.

A aristocracia agrícola não tem incentivo para investir na educação da população, porque a educação é um veículo que permite aos indivíduos se mover para o setor urbano. A elite, historicamente, no Brasil e em outras partes, se engajou em tentar bloquear reformas educacionais, como forma de prevenir a mobilidade dos trabalhadores e evitar um declínio na sua renda. O baixo investimento em educação e as instituições extrativistas levam ao surgimento da desigualdade que vemos hoje no Brasil e em outros lugares.

**P.- Como vê as chances do Brasil de superar a desigualdade?**

OG- O país está em boa posição para se juntar aos ricos do mundo. Pode aproveitar seus recursos naturais e sua população diversificada para avançar. Mas a ênfase precisa estar em ter uma população educada e mais orientada ao futuro. Também é preciso reduzir o máximo possível a corrupção.

**P.- Como o senhor vê a importância de fazer pagamentos diretos às pessoas pobres, como o Bolsa Família no Brasil e os auxílios dados nos EUA no auge da pandemia?**

OG- É uma solução temporária. O caminho é garantir igualdade de oportunidades para as crianças terem acesso a uma educação excelente e que, assim, cada indivíduo possa realizar seu potencial.

As transferências podem ser incontornáveis se as pessoas estão morrendo de fome, mas não são uma política de longo prazo. Uma política de longo prazo deve garantir que as pessoas sejam educadas com uma mentalidade orientada ao futuro. Se você olha medidas orientadas ao futuro, como taxas de poupança, o Brasil está atrasado. Transferências de renda podem simplesmente estimular o hábito de viver de um pagamento ao outro.

**P.- O avanço da inteligência artificial pode ajudar a reduzir a desigualdade entre os países? Ou pode concentrar mais riqueza para os países que a dominam?**

OG- Quando pensamos na desigualdade que surgiu na economia mundial nas últimas quatro ou cinco décadas, que é bastante significativa, parte tem a ver com a globalização e parte com a aceleração tecnológica, que evolui rapidamente.

Parte da razão desta grande desigualdade é que alguns segmentos da sociedade não investem apropriadamente em educação. O avanço da IA colocará ainda mais pressão, irá requerer mais investimentos em preparação.

A tecnologia IA é uma grande vantagem para a humanidade. Talvez nos permitirá produzir muito e ter mais tempo para o lazer do que antes. Ao mesmo tempo, irá gerar grande desigualdade. A sociedade precisa ser mais generosa. Os indivíduos que não consigam participar desse processo precisam ter alguma rede de proteção.

**P.- O esforço de combate às mudanças climáticas pode dificultar o desenvolvimento e a redução das desigualdades?**

OG- A mudança climática é talvez o maior desafio que a humanidade já encarou. Eu sou otimista sobre nossa habilidade em contê-la. Em minha pesquisa, explorei a evolução da humanidade. Nossa engenhosidade sempre está lá para nos salvar dos grandes desafios. Talvez nas próximas duas ou três décadas, surjam tecnologias revolucionárias. Podemos avançar para tecnologias ambientalmente amigáveis e devemos colaborar na aplicação de padrões ambientais estritos e mais firmes.

**P.- Esse esforço ambiental pode ajudar a reduzir a desigualdade entre países ricos e pobres?**

OG- Não acho. É possível que as economias ricas vão sentir que precisam de grande cooperação das sociedades menos desenvolvidas, e serão capazes de pagar pela redução de emissões de carbono. Para o Brasil, há a possibilidade de que o país seja pago de forma substancial para manter a Amazônia viva, e consequentemente ira se beneficiar dessa necessidade.

No entanto, a grande questão será que as sociedades menos desenvolvidas vão investir menos em tecnologias para mitigar as consequências físicas da mudança climática, como construir barragens contra enchentes. O sofrimento humano será muito mais desigual no futuro.

**P.- Em uma palestra recente, o senhor disse que a América Latina tem alguns países com sociedades muito homogêneas, e que isso pode afetar o desenvolvimento. Poderia explicar melhor?**

OG- Uma importante dimensão para a disparidade econômica é o grau de diversidade na sociedade. A diversidade é uma fonte de fertilização de ideias que gera inovações.

Por outro lado, essa diversidade pode gerar falta de coesão social. Sociedades mais diversas tendem a ser menos confiáveis e a ter maior propensão ao conflito.

Ao contrário de muitas sociedades latino-americanas, o Brasil é diverso. O obstáculo é a falta de coesão social e as políticas desejáveis de educação que preparem as pessoas para terem maior tolerância e respeito ao pluralismo.

**RAIO-X**

Oded Galor, 70

Economista israelense-americano criador da teoria unificada do crescimento econômico. É professor de economia na Brown University, membro da Academia Europaea e da Econometric Society.

**A JORNADA DA HUMANIDADE**

Preço R$ 69,90 (336 págs., impresso) e R$ 46,90 (ebook)

Autor Oded Galor

Editora Intrínseca

Tradutor Antenor Savoldi Jr.


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