BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A iminência do anúncio da nova regra fiscal proposta pelo governo reacendeu no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o temor de repetir erros de Dilma Rousseff (PT), que deu uma guinada na política econômica no início de seu segundo mandato na tentativa de promover um ajuste nas contas públicas e acabou perdendo apoio popular e político.
Segundo pessoas próximas, a preocupação do petista é ser acusado de estelionato eleitoral, após fazer uma campanha permeada por promessas de colocar o pobre no Orçamento e dar fim ao atual teto --regra que limita o avanço de gastos à inflação e, na avaliação do PT, limita despesas com obras e políticas sociais.
A retomada dos investimentos é considerada a espinha dorsal da plataforma política de Lula em seu terceiro mandato.
O presidente ainda vai discutir os detalhes da regra com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), nesta sexta-feira (17), mas algumas sinalizações já dadas pela equipe econômica vão justamente na direção de manter algum controle sobre o crescimento dos gastos, ainda que mais flexível do que o teto.
Por isso, assessores palacianos apostam em mudanças no texto que venha a ser apresentado por Haddad, caso seja confirmada a tendência de contenção de despesas, com possível repercussão sobre investimentos em obras e programas sociais.
Nesse caso, a proposta sofreria alterações no Palácio do Planalto. Esse temor é apontado como uma das justificativas para a discrição que cerca o debate sobre a nova regra fiscal.
Até a noite desta quinta-feira (16), a minuta não tinha chegado à Casa Civil nem à Secretaria de Relações Institucionais, encarregadas do envio do texto e de sua articulação no Congresso Nacional.
A expectativa é que os titulares dessas pastas, Rui Costa e Alexandre Padilha, respectivamente, só tenham acesso à proposta nesta sexta.
Segundo aliados, Lula tem desencorajado açodamento para apresentação da proposta, recomendando cautela na discussão.
Os relatos são de que o presidente tem muito medo de repetir o que são considerados erros de Dilma, que acabou sofrendo um impeachment em 2016. Colaboradores do presidente contam que não é raro Lula orientar em sentido distinto quando informado de alguma prática adotada nos governos da petista.
Ele teria proposto que o ministro Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social) fosse mais criativo ao ouvir dele a sugestão para que o futuro programa de obras fosse batizado de "novo PAC".
Em 2015, após reeleita, a ex-presidente nomeou para o comando do Ministério da Fazenda o economista Joaquim Levy, de viés liberal e com apelido de "mãos de tesoura" (em referência a corte de gastos).
A escolha de Levy se deu num contexto em que Dilma era pressionada pela forte deterioração das finanças públicas, pelo escândalo das pedaladas fiscais e pela contabilidade criativa adotada em seu primeiro mandato para maquiar a situação das contas do país.
Levy permaneceu no cargo por 11 meses, período em que travou e perdeu uma série de embates na tentativa de rever benefícios e desonerações e resgatar a credibilidade fiscal.
No mesmo intervalo, a aprovação do governo Dilma começou a derreter. Em dezembro de 2015, 65% dos brasileiros consideravam seu governo ruim ou péssimo, segundo pesquisa Datafolha da época.
Após uma eleição acirrada, Lula teme trilhar caminho semelhante, caso a proposta de Haddad represente um ajuste significativo nas despesas do governo nos próximos anos. Por isso, o presidente tem evitado se pronunciar sobre a proposta e, assim, se comprometer com apoio integral ao texto da Fazenda.
Por outro lado, há também o cuidado de não desacreditar Haddad, que há quase três meses trabalha na proposta de nova regra fiscal e aposta em sua aprovação para obter a confiança do mercado financeiro de que as contas do país são sustentáveis.
O ministro já sofreu uma derrota logo no início do ano, quando precisou prorrogar a desoneração de tributos federais sobre o diesel até o fim de 2023 e sobre a gasolina até 28 de fevereiro deste ano.
Há pouco mais de duas semanas, Haddad precisou superar críticas até mesmo da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para conseguir convencer Lula a retomar a cobrança de tributos sobre combustíveis, ainda que parcialmente, para ajudar na recomposição da arrecadação federal e não comprometer os planos de ajuste do ministro.
Nas discussões da nova regra fiscal, Haddad tem adotado cautela extrema. No Ministério da Fazenda, apenas o ministro e alguns de seus principais secretários participam das discussões, de forma que os detalhes da proposta permanecem em sigilo até mesmo para demais membros da pasta.
Nos últimos dias, os princípios do projeto foram apresentados, em reuniões também restritas, ao Banco Central, à ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), e ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Segundo relatos, o pano de fundo da cautela de Haddad é o receio de que a proposta se torne alvo de fogo amigo do próprio PT, a exemplo do que ocorreu na discussão em torno da tributação dos combustíveis, contribuindo para a desidratação da regra.
Um eventual vazamento da proposta da Fazenda também poderia evidenciar uma nova derrota de Haddad, caso algum dos dispositivos seja rejeitado pelo Palácio do Planalto, diante da expectativa por mudanças.
A equipe econômica vê como fundamental convencer Lula de que o novo conjunto de regras fiscais é necessário e terá efeitos positivos para o país. Daí a intenção de Haddad de apresentar a Lula a proposta em sua integralidade, sem que tenha passado pelas mãos de seus colegas de ministério.
Uma vez alcançado esse objetivo, eventuais divergências internas e também com integrantes do partido teriam mais chances de serem contidas.
A definição do novo arcabouço fiscal é considerada pela Fazenda como importante para abrir caminho à redução da taxa de juros pelo Banco Central, como quer Lula. A autoridade monetária tem apontado o risco fiscal como um fator de impulso às projeções de inflação e, consequentemente, uma razão para manter a Selic no patamar atual de 13,75% ao ano.
Haddad inclusive almejava apresentar o desenho final da proposta de regra fiscal antes da próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que ocorrerá na terça (21) e quarta-feira (22), em busca de emitir uma sinalização consistente ao BC do compromisso com a sustentabilidade das contas.
No entanto, ainda não há certeza sobre a possibilidade de cumprir esse calendário.
Além da expectativa de mudanças, o tema tem sido tratado dentro do governo em ritmos distintos. Enquanto a equipe de Haddad vê maior urgência no envio da proposta, o Planalto prega cautela na análise do texto.
Na avaliação de interlocutores desse segundo grupo, a própria retomada da tributação sobre combustíveis e a sinalização de que há discussão da nova regra fiscal já seriam sinalizações suficientes para o mercado e para o Banco Central neste momento.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) que ampliou gastos estipulou prazo até 31 de agosto de 2023 para o envio do projeto de lei complementar que estabelece a nova regra fiscal, mas Haddad prometeu apresentá-la neste mês.
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