SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A primeira versão do plano de recuperação judicial da Americanas foi entregue no fim da noite desta segunda-feira (20). A varejista tinha até quarta-feira (22) como prazo máximo para apresentar o documento à Justiça.

Com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões na entrega do pedido de recuperação judicial, em 19 de janeiro, a Americanas figura como a quarta maior recuperação judicial da história brasileira, só atrás de Odebrecht (R$ 80 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões).

Segundo fato relevante divulgado pela companhia, houve um aporte da ordem de R$ 10 bilhões "de forma a assegurar os recursos mínimos necessários para a implementação dos termos e condições de reestruturação dos créditos contemplados no Plano".

A Americanas estima ainda que receberá de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões pela unidade de negócios Hortifruti Natural da Terra, a participação da companhia no Grupo Uni.Co e uma aeronave.

Uma das opções propostas pela companhia para os credores é a de um "leilão reverso voluntário", em que um pagamento antecipado de até R$ 2,5 bilhões seria destinado aos credores que toparem um desconto de ao menos 70% no valor da dívida.

Outras opções envolvem, por exemplo, a conversão de dívida em ações da companhia e recompra de dívida. Os descontos para os credores financeiros poderiam chegar a 80%.

A crise da varejista foi deflagrada no dia 11 de janeiro, quando o então presidente da Americanas, Sergio Rial, renunciou ao cargo e sugeriu que a empresa vinha escondendo dívidas equivalentes a R$ 20 bilhões em seu balanço, por conta de "inconsistências contábeis".

O anúncio do escândalo contábil deu início a uma batalha judicial travada entre a varejista e seus maiores credores, os bancos, que culminou num pedido de recuperação judicial em menos de dez dias.

OS PRÓXIMOS PASSOS

A partir de agora, de acordo com o advogado Filipe Denki, especialista em recuperação judicial do escritório Lara Martins Advogados, os credores terão até 30 dias para apresentar objeções ao plano. Se houver uma objeção ou mais, será convocada uma assembleia geral de credores, que votará pela aprovação, rejeição ou modificação do plano.

"Em caso de rejeição, o administrador judicial pergunta aos credores se eles querem apresentar um plano alternativo. Se eles se negarem, é convolação em falência", afirma Filipe Denki.

Se eles optarem por um plano alternativo, a proposta terá 30 dias para ser apresentada e então colocada em votação na assembleia geral de credores.

"Em caso de aprovação, segue a recuperação judicial. Se for rejeitado, porém, pela maioria dos credores, também ocorre a falência", afirma Denki, que considera "pouco provável" a disposição dos credores em apresentar um plano alternativo.

"Em geral, para apresentar um plano de recuperação judicial, é preciso ter acesso a muitos detalhes da operação da empresa, coisa que os credores não têm", diz Denki.

A maior dívida da Americanas está nas mãos dos bancos privados. Os débitos com as instituições financeiras somam R$ 19,5 bilhões, sendo o Bradesco o maior credor (R$ 5,1 bilhões), seguido por Santander (R$ 3,6 bilhões), BTG (R$ 3,5 bilhões), Itaú Unibanco (R$ 2,7 bilhões) e Safra (R$ 2,5 bilhões). Também estão na lista os bancos públicos Banco do Brasil (R$ 1,6 bilhão) e Caixa (R$ 500 milhões).

Os grandes credores insistem para que os principais acionistas da empresa ?os bilionários Jorge Paulo Leman, Marcel Telles e Beto Sicupira? injetem uma quantia relevante para dar conta do rombo fiscal de R$ 20 bilhões nos balanços nos últimos anos, relacionados às operações de risco sacado, envolvendo financiamento dos bancos aos fornecedores.

As conversas começaram em fevereiro com R$ 2 bilhões. Na última reunião, no início deste mês, evoluíram para R$ 10 bilhões, mas os credores exigem pelo menos R$ 14 bilhões.

O BTG Pactual, um dos credores mais indignados com a Americanas, aceitou um acordo de paz por 30 dias, em que o banco e a varejista suspenderam sete processos na Justiça, na esperança de que o trio de bilionários injete mais do que os R$ 10 bilhões.

Essa injeção de capital deverá ser feita por meio do empréstimo DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), usado apenas em recuperações judiciais. O recurso passou a ser adotado no Brasil em 2021, após a promulgação da lei nº 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05, de falência e recuperação de empresas. Segundo especialistas, é uma ideia importada do direito empresarial americano.

A principal finalidade do DIP é suprir a falta de caixa para financiar despesas operacionais como pagamento de fornecedores, salários e despesas administrativas, diz Filipe Denki. Este tipo de empréstimo não demanda uma assembleia geral de credores para ser aprovado e pode ser solicitado já no início do processo, mediante autorização judicial. "Em caso de falência, é considerado crédito supre prioritário: vai ser o primeiro a receber antes de qualquer outro tipo de crédito, até mesmo do trabalhista", afirma.

Uma vez homologado o plano de recuperação judicial, os credores têm que seguir determinações, como deságio sobre o valor da dívida, prazo e carência muito dilatados. "Já os financiadores do DIP estão fora disso", afirma Leandro Basdadjian Barbosa, sócio da área de contencioso cível da SFCB Advogados.

Barbosa também destaca que as garantias oferecidas neste tipo de empréstimo costumam ser mais "robustas", uma vez que os riscos são grandes. "Em geral são bens que estão fora do ativo circulante da companhia, podem ser imóveis, por exemplo, que não têm liquidez imediata."

De acordo com o fato relevante divulgado pela Americanas em 31 de janeiro, porém, quando apresentou a proposta do financiamento DIP, a sua versão do empréstimo não contará com garantias e terá remuneração média de 128% do CDI ?como se fosse um investimento financeiro. Mas a varejista indicou que o financiamento pode ser convertido em ações.

"Chama a atenção o fato de o DIP da Americanas não apresentar garantias, foi feita uma emissão de debêntures", diz Filipe Denki. "Em caso de falência, os principais acionistas se tornam credores e recebem antes de qualquer outro credor."

De acordo com analistas que acompanham a empresa, com base nas informações que se têm até o momento, é possível concluir que a Americanas não informou nos balanços parte dos juros que deveria pagar aos bancos nas operações de risco sacado. A prática fez com que suas demonstrações financeiras apresentassem resultados melhores do que de fato existiam, o que acabou inflando o valor das suas ações.

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