CAMBRIDGE, EUA (FOLHAPRESS) - Em meio a questionamentos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a independência do Banco Central, o ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers defendeu nesta sexta-feira (31) a autonomia da instituição e afirmou que atacá-la é um "jogo tolo".
"A melhor maneira já encontrada de garantir a relativa estabilidade de preços, que é um tipo de âncora para a coesão social, é a independência dos bancos centrais", afirmou ele em discurso sobre as oportunidades de desenvolvimento na América Latina durante a Brazil Conference, evento organizado por alunos das universidades Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Cambridge, na região de Boston, nos EUA. Summers é presidente emérito de Harvard e discursou no evento por vídeo.
Summers afirmou que é preciso "convencer políticos que atacar o banco central é um jogo tolo", porque "o banco não escuta", mas "os mercados escutam, e assim as taxas [altas de juros] se alongam", disse. "O que acontece com os bancos centrais é em último caso um teste para o sucesso dos governos", disse ele.
Lula e parcela de sua equipe abriram fogo contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela manutenção da taxa de juros do país, hoje em 13,75% ao ano.
Summers afirmou que não se recorda de outro período "com tantas preocupações" quanto o atual, com inflação perene pelo mundo, mudanças climáticas, desafios geopolíticos como a Guerra da Ucrânia e a pandemia da Covid-19.
"É um momento de crises e desafios, mas também de grandes oportunidades", disse ele, ao destacar que o Brasil está no centro da discussão. Summers defendeu que é preciso pensar no desenvolvimento regional, não apenas local, e que não vê um cenário em que Brasil e Estados Unidos crescem em níveis discrepantes.
Ao menos um desses desafios deve ser mais leve na América Latina, na visão do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ilan Goldfajn, que discursou na sequência: a crise bancária.
Segundo ele, os sistemas financeiros da América Latina são mais estáveis e resilientes a choques globais pelo histórico de turbulência da região. "É uma região mais adaptada a esses efeitos colaterais do que outros lugares que não experimentaram tantos choques, tantas mudanças, tanta inflação, tanta volatilidade de juros", afirmou.
Segundo Ilan, os choques no sistema financeiro, com a falência do Silicon Valley Bank nos Estados Unidos e crise do Credit Suisse na Suíça, são efeitos colaterais do endurecimento das condições monetárias, com alta taxas de juros para combater a inflação. "Isso gera mais dificuldades para a intermediação, porque muitas vezes você fica com seu ativo em um determinado rendimento, e você tem que remunerar o teu passivo, o que as pessoas depositam, a uma taxa maior", disse.
Ilan resumiu em três os desafios da América Latina hoje: aumento das demandas da sociedade, com luta por redução das desigualdades sociais, não só de renda como de gênero e outras, o que gera onda de insatisfação e protestos; restrições fiscais, com governos com menos recursos para atender a essas demandas; e baixo crescimento econômico, com a região crescendo a uma taxa média de 2%.
Um quarto problema se torna cada vez mais importante, disse, o das mudanças climáticas, com secas extremas, inundações e desastres como furacões em países no Caribe. "Quem lida com políticas econômicas e governantes lidam com o triplo desafio do social, fiscal e crescimento, mas também com as consequências da mudança climática", disse.
Para o presidente do BID, embora a região tenha essa série de desafios conjunturais e estruturais, é preciso ver a região também como parte da solução global.
Uma das áreas em que a América Latina pode ser útil é na segurança alimentar, defendeu, uma vez que a região é responsável por 40% do comércio de alimentos do mundo, segundo ele, e tem um terço da água fresca do planeta. Ilan afirmou que é possível multiplicar a produção da região por oito e produzir alimentos suficientes para 10 bilhões de pessoas.
O outro campo é segurança energética. Segundo o economista, 30% da energia consumida na América Latina vem de fonte limpa, sendo que na América Central esse total salta a 80%. A região tem dois dos três países "carbono negativo" do mundo, Suriname e Panamá, que absorvem mais emissões de carbono do que produzem. Além disso, a região dois terços dos estoques de lítio do mundo, mineral fundamental para a fabricação de carros elétricos, são produzidos na região, afirma ele.
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