SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A norma publicada pela Receita Federal na quinta (30) para acabar com a nota fiscal de papel no comércio de ouro e exigir a nota eletrônica a partir de julho deve ajudar a combater o garimpo ilegal nas terras indígenas e reservas ambientais. Mas a medida ainda é insuficiente, na opinião de Ecio Morais, diretor do IBGM (associação do mercado joalheiro que reúne marcas como Vivara e HStern).
Falta fortalecer o monitoramento para elevar a rastreabilidade e a transparência do ouro, diz ele.
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Pergunta - Depois da adoção da nota fiscal eletrônica para o comércio de ouro de garimpo, o que deve mudar no mercado de joias?
Resposta - É uma medida importante, que a gente tem defendido há muitos anos. Deve ser celebrada, sem dúvida. Ela permite uma maior rastreabilidade na cadeia do ouro.
Hoje, como funciona: o garimpeiro vai vender esse ouro para um posto de compra no garimpo, e a DTVM, que é a adquirente do ouro, emite uma nota fiscal no papel. É um modelo arcaico, que é suprido pela legislação hoje.
Com a nota fiscal eletrônica, esse processo passa a ser todo informatizado e muito mais rastreável. É um benefício grande para toda a cadeia de valor do ouro. Agora, muita coisa ainda tem que ser implementada. Essa é uma condição necessária, porém, não suficiente.
Pergunta - Dentro do que ainda falta, quais são as prioridades?
Resposta - O que nós defendemos é o maior fortalecimento do sistema de monitoramento desse mercado, então, particularmente o fortalecimento da ANM (Agência Nacional de Mineração), que é a grande responsável pela emissão das licenças ambientais, permissões de lavra garimpeira. É ela quem emite, fiscaliza e monitora. É ela que deveria policiar esse mercado. Então, nós defendemos um fortalecimento da agência para termos um ouro mais rastreável e transparente.
Pergunta - Depois do noticiário sobre a tragédia dos yanomami, o varejo de joias registrou um movimento de alta na compra de ouro diretamente das mineradoras, que têm certificação, em vez de comprar das DTVMs. Essa tendência se confirmou, tem crescido?
Resposta - A questão da operação com uma grande mineradora é um pouco mais difícil porque é preciso ter escala, ou seja, é preciso comprar em grandes quantidades.
Tem questão logística, tem que ir buscar o metal na sede da mineradora. Ela não vende fragmentado em pequenas quantidades, 1kg ou 0,5 kg de ouro. Ela só vende em grandes quantidades.
E, por fim, tem um problema tributário, de diferenciar o ouro mercadoria e ativo financeiro. Compromete um pouco a viabilidade dessa operação. Mas é um esforço que todo o setor tem feito para viabilizar essa operação, e que a gente possa adquirir o ouro de grandes mineradoras.
E tem o esforço de rastreabilidade do metal, que a gente possa adquirir o ouro das DTVMs, mas um ouro rastreável, transparente, monitorado. E é perfeitamente viável hoje, tem tecnologia para isso, de georreferenciamento que monitora o garimpo. A nota fiscal eletrônica veio para a ajudar.
Pergunta - A rede Vivara já fazia essa compra direta da mineradora? Ela tem essa facilidade porque é uma grande rede, com grande distribuição, diferentemente do pequeno joalheiro?
Resposta - Correto. A Vivara compra em grandes quantidades, ou seja, tem escala, e está sediada em Manaus. Então, tem uma facilidade tributária. Quando se compra de uma DTVM, elas têm escritórios nos polos de produção, entregam o metal fragmentado, 250 gramas ou 1 kg, o que viabiliza a operação de uma pequena empresa.
Mas eu acredito que com um esforço comum da sociedade, do setor e do poder público, nós vamos tornar essa cadeia do ouro muito mais transparente, rastreável e regulamentada.
Pergunta - E a reciclagem? O setor tem falado naquele projeto de comprar joias penhoradas da Caixa?
Resposta - Esse é um projeto que a gente vê com carinho. Gostaríamos que houvesse mais sensibilidade por parte da Caixa para que o setor tenha acesso ao estoque provenientes do penhor e que não conseguiu ser leiloado. Se houvesse um mecanismo que facilitasse o acesso por parte da indústria a esse metal que está disponível na Caixa, seria uma medida inteligente e ambientalmente sustentável.
Pergunta - Essa tragédia dos yanomami preocupa o setor do ponto de vista da reputação do varejo de joias e dessa categoria de produto?
Resposta - Acho que é uma preocupação de toda a sociedade brasileira. Naturalmente, o segmento joalheiro, por ter um envolvimento na cadeia, por ser o elo final, ele tem uma preocupação um pouco maior. A solução desse problema perpassa toda a sociedade e particularmente o poder público. Tem ANM, ICMBio, Ibama, Polícia Federal, Forças Armadas, Receita Federal.
A questão da nota fiscal eletrônica é muito importante, mas o que deve surpreender a gente é que ainda não tenha sido implantada. Temos um dos sistemas financeiros mais informatizados e modernos do mundo, e o método de aquisição do ouro ativo financeiro ainda é no papel carbono. É arcaico.
Pergunta - E o caso do ex-presidente Bolsonaro trazendo joia ao país. Como o setor vê essa questão?
Resposta - É um caso isolado. Os procedimentos normais não foram cumpridos, sem entrar nesse mérito. Por enquanto, a gente não percebe nenhum impacto. Tenho mais preocupação com a questão do garimpo do que propriamente com esse caso isolado envolvendo o ex-presidente.
Pergunta - Qual é importância da joia como presente nesse mercado? Vocês têm pesquisas que mostrem qual parcela das vendas é destinada para presente e quanto se destina ao próprio comprador?
Resposta - Nos últimos anos houve uma mudança de comportamento. A mulher ganhou espaço no mercado de trabalho e se auto presenteia. Isso é crescente. A joia ainda é um símbolo de passagem. Aniversário de casamento, formatura, isso permanece. Mas cresceu muito esse mercado da mulher executiva que se presenteia.
Raio-X
Mestre em economia pela PUC-SP, tem especialização em direito empresarial. Atualmente ocupa o cargo de diretor-executivo do IBGM (Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos). Já esteve à frente do Sindijoias SP (sindicato da indústria de joalheria de São Paulo) e da Ajesp (associação dos joalheiros de SP).
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