SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, donos da empresa de private equity 3G, acenou com um aporte de R$ 12 bilhões na Americanas para tentar contornar a crise da varejista.

Em fato relevante divulgado nesta segunda-feira (3), a empresa afirma que a mais recente proposta apresentada aos credores financeiros indica um aumento de capital de curto prazo, em dinheiro, no valor de R$ 10 bilhões, acompanhado de dois aumentos de capital adicionais de até R$ 1 bilhão cada um, em datas futuras a serem acordadas.

O anúncio dos possíveis R$ 12 bilhões vem após uma sinalização de R$ 2 bilhões, R$ 6 bilhões (quando o ex-CEO da Americanas, Sergio Rial, ainda era o interlocutor do trio de bilionários), R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões, em conversas anteriores.

Dentro dos R$ 12 bilhões desta segunda, está o aporte, já realizado, de R$ 2 bilhões, por meio do empréstimo DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), usado apenas em recuperações judiciais, que não demanda uma assembleia geral de credores para ser aprovado e pode ser solicitado já no início do processo, mediante autorização judicial.

"Em caso de falência, é considerado crédito supre prioritário: vai ser o primeiro a receber antes de qualquer outro tipo de crédito, até mesmo do trabalhista", informa o especialista em recuperação judicial Filipe Denki, da Lara Martins Advogados.

"Os dois aumentos de capital adicionais poderão ser acionados caso a companhia esteja, nas datas futuras a serem acordadas, acima de determinados limites máximos de alavancagem ou abaixo de um nível mínimo de liquidez, ambos a serem detalhados oportunamente", diz o fator relevante divulgado nesta segunda pela Americanas.

"A companhia segue empenhada nas negociações destes termos com seus credores financeiros,

não havendo, até o momento, acordo com relação à proposta apresentada", informou a empresa, que vem sendo assessorada pelo banco Rothschild&Co nas negociações.

Para os bancos, houve fraude contábil para inflar os balanços da Americanas ao longo dos últimos anos. Desde que o escândalo veio à tona, na primeira reunião com Rial, os credores financeiros exigiam um aporte significativo para tentar cobrir o rombo. Começaram exigindo um aporte de R$ 16 bilhões, mas alguns já estavam aceitando R$ 12 bilhões.

Bancos se dividem entre mágoa e armistício A Folha apurou junto a interlocutores das negociações que ainda não se pode falar em "consenso". Mas a varejista parece estar reconquistando, aos poucos, a confiança das instituições financeiras, suas maiores credoras. Prova disso é o armistício fechado com o BTG, um dos seus credores mais implacáveis.

Conforme interlocutores, o banco de André Esteves aceitou suspender as ações judiciais por 30 dias, na esperança de que os bilionários da Americanas injetem mais dinheiro na varejista.

Ainda assim, a mágoa persiste em alguns casos. No Bradesco, por exemplo, a Folha apurou junto a fontes próximas ao banco, que era comum Beto Sicupira, atual conselheiro da Americanas, ligar diretamente para o comando da instituição pedindo novas linhas de crédito, ao que era prontamente atendido.

Talvez por isso o banco se mostre mais reticente em levantar bandeira branca e trabalhe, neste momento, para ter acesso aos emails trocados entre a diretoria da Americanas nos últimos anos -meta conquistada também nesta segunda-feira, com o aval concedido pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes.

"Faces de jogadores de pôquer". É assim que a jornalista Cristiane Correa, autora do livro "Sonho Grande" (editora Sextante, 2013), sobre a história do Lemann, Telles e Sicupira, descreve a postura impassível dos donos da empresa de private equity 3G diante de uma negociação tensa.

A postura, diante do rombo contábil de R$ 20 bilhões nos balanços da Americanas -controlada pelo trio até o final de 2021, da qual são hoje os principais acionistas-, parece estar prevalecendo na negociação para lidar com uma das maiores crises corporativas da história brasileira.

Os bilionários começaram sinalizando um aporte de R$ 2 bilhões na empresa, no início de fevereiro. Uma cifra "risível", segundo uma fonte ouvida pela Folha, que acompanha as negociações do lado dos credores, diante da dívida de R$ 43 bilhões declarada pela Americanas em 19 de janeiro, quando entrou em recuperação judicial.

O consultor e escritor americano Jim Collins, que assina o prefácio de "Sonho Grande", disse que se surpreendeu com a calma do trio de bilionários em situações de elevado estresse, como a crise financeira mundial de 2008.

"Em momento algum observei pânico, apenas um espírito de avaliação cuidadosa de opções, seguida de decisões calculadas. Em épocas de incerteza e caos, as pessoas muitas vezes querem agir o mais rápido possível, como se isso fizesse a crise ir embora", escreveu.

"'Claro que é da natureza humana querer fazer com que a incerteza vá embora', me disse um deles. 'Mas esse desejo pode levá-lo a agir rápido, às vezes rápido demais. De onde eu venho, você logo percebe que a incerteza jamais desaparecerá, não importa quais decisões ou ações tomemos. Portanto, se temos tempo para a situação se desenrolar, dando-nos mais clareza antes de agirmos, aproveitamos esse tempo. Claro que, quando chega a hora, você precisa estar preparado para agir com firmeza'", relata Collins no livro.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!