SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os rumos da política monetária no Brasil e nos Estados Unidos devem se refletir em mudanças na taxa de câmbio ao longo do segundo semestre e também em 2024, na avaliação de especialistas do mercado.
Conforme o BC (Banco Central) dê prosseguimento ao ciclo de queda da taxa básica de juros, a Selic, e o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) promova mais algum aumento nos juros americanos, ou só mantenha as taxas estáveis nos próximos meses, a consequente redução do diferencial de juros entre as duas economias tende a se refletir principalmente por meio da relação entre o dólar e o real, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
O interesse de investidores que alocam recursos de curto prazo para ganhar com os juros altos acaba diminuindo conforme o diferencial entre Brasil e EUA se reduz, o que implica em uma redução do fluxo de recursos para o país, explica Rafaela.
Dados do BC (Banco Central) indicam que, em julho, houve saídas líquidas de US$ 2,1 bilhões no fluxo cambial relativo ao canal financeiro, por meio do qual são realizados os investimentos estrangeiros diretos e em carteira, as remessas de lucro e o pagamento de juros, entre outras operações.
Em agosto, até o dia 11, o fluxo está positivo em US$ 1,8 bilhão, mas acumula saídas líquidas de US$ 14,3 bilhões no ano.
A economista-chefe do Inter lembra que, ao longo das últimas semanas, os juros futuros nos EUA, que indicam a expectativa do mercado para os rumos da política monetária, tiveram um aumento das taxas.
As taxas de retorno (yield) dos títulos do Tesouro dos EUA de 10 anos alcançaram na quinta-feira (17) patamares ao redor de 4,312%, no maior nível desde outubro do ano passado.
O movimento vem na esteira da preocupação dos investidores com uma persistência acima do previsto da pressão inflacionária na região, que pode forçar o Fed a postergar o início do ciclo de corte dos juros.
"Parte dessa alta dos juros lá fora já se refletiu no câmbio no Brasil, que subiu da casa dos R$ 4,70 para perto de R$ 5 nas últimas semanas, com a perspectiva de juros maiores por um prazo mais longo nos Estados Unidos", afirma Rafaela.
Ela diz que um risco a ser monitorado é o de a inflação dos Estados Unidos voltar a subir de forma mais forte do que o previsto.
Essa hipótese, alerta a especialista, não pode ser descartada, uma vez que a economia norte-americana continua indicando resiliência, com um mercado de trabalho apertado, e em um momento no qual o presidente dos EUA, Joe Biden, tem buscado aumentar os gastos para estimular o ritmo de crescimento da atividade econômica conforme as eleições se aproximam.
"Se o Fed subir os juros mais do que o esperado e a taxa de juros chegar a 6%, que não é o cenário base, podemos ter um novo impacto no câmbio", afirma a economista-chefe do Inter.
Por outro lado, se o cenário se mostrar mais benigno e a inflação nos EUA cair mais rápido do que as expectativas, o Fed pode ter espaço para começar os cortes antes do esperado, e o câmbio poderia voltar a testar patamares ao redor de R$ 4,70, diz Rafaela, acrescentando que trabalha hoje com o início do ciclo de corte de juros nos EUA no segundo trimestre de 2024.
Ela acrescenta que a redução do diferencial de juros não deve interferir nas decisões de política monetária do BC do Brasil nos próximos meses, uma vez que o patamar da Selic segue elevado, com espaço para que novos cortes prossigam ?a economista-chefe do Inter projeta a taxa básica de juros no país em 11,5% no fim de 2023, cedendo para a casa dos 9% em 2024.
Economista-chefe da gestora de recursos Parcitas Investimentos, Vitor Martello afirma que uma pressão mais forte na taxa de câmbio no Brasil pode começar a acontecer em meados do primeiro semestre de 2024.
Será quando o processo de redução da Selic, que deverá estar ao redor de 11,5%, e a provável manutenção da taxa americana estável no patamar de 5,5% pelo Fed, deve levar a diferença do juro real entre Brasil e EUA a voltar a oscilar dentro da média histórica dos últimos 10 anos.
Essa média histórica, que esteve ao redor de 8,5% nos últimos 12 meses até agosto de 2023, oscila em torno de 5% a 5,5%, considerando no cálculo tanto a taxa de juros nominal dos dois países como também a inflação em ambos, diz Martello.
"Quando a diferença voltar para a média, dificilmente o real se valoriza. Ou fica estável ou deprecia", afirma o economista-chefe da Parcitas.
Caso o BC prossiga com os cortes na Selic como esperado pelo mercado, levando a taxa para níveis em torno de 9%, o diferencial de juros pode cair abaixo da média histórica, com o risco de desvalorização do real jogar contra o processo desinflacionário no país, diz Martello.
O economista-chefe assinala, contudo, que a diferença entre os juros não é o único vetor que baliza a taxa de câmbio. Os preços das commodities também exercem influência importante na formação do preço da moeda, bem como a situação fiscal dos EUA.
Esses dois vetores, pontua o especialista, tendem a pesar a favor de uma apreciação do câmbio no Brasil, em um cenário no qual os preços das commodities devem continuar em patamares relativamente elevados por conta do El Nino, e com uma deterioração das contas públicas do governo Biden se refletindo em um enfraquecimento do dólar em escala global.
Por isso que a taxa de câmbio é uma variável tão difícil de ser projetada com precisão, uma vez que há uma série de fatores descorrelacionados entre si que podem afetar as cotações, diz Martello.
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