SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Do outro lado do mundo, a China produziu efeitos profundos na economia e na sociedade brasileiras a partir de sua participação nas exportações e importações do Brasil.

Eles incluem uma guinada do país à direita, queda nos homicídios e aumento da expectativa de vida em estados onde a relação Brasil-China foi mais intensa.

A conclusão consta em dois estudos a serem publicados em revistas acadêmicas internacionais por pesquisadores brasileiros. Em ambos, eles investigam as consequências do "choque chinês" nos últimos anos.

Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu pela primeira vez a Presidência, em 2004, o volume comercializado (exportações e importações) do Brasil com a China saltou de US$ 9,1 bilhões ao ano para US$ 150,1 bilhões.

Segundo os pesquisadores Naercio Menezes Filho, do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, Vitor Cavalcante e Luca Moreno Louzada, o impacto político do aprofundamento das relações entre Brasil e China deu-se sobretudo por uma inclinação à direita do eleitorado brasileiro.

"Descobrimos que o aumento da demanda de exportações desempenhou um papel crucial na formação dos resultados do mercado de trabalho e, posteriormente, das preferências políticas", afirmam.

Em um dos trabalhos, dizem que as elites agrárias brasileiras estiveram entre as mais favorecidas pelo aumento das exportações de grãos do Brasil para a China. "O setor agrícola emerge como um dos principais beneficiários do ?choque chinês?", afirmam.

Hoje, a bancada ruralista no Congresso tem 302 deputados (de um total de 513) e 45 senadores (81), segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária.

"Encontramos que um aumento de US$ 1.000 nas exportações por trabalhador está associado a um deslocamento de 1,1 ponto percentual para a direita na ideologia em nível local", escrevem.

Na eleição de 2022, em que Lula venceu, os estados que mais exportam à China de fato votaram predominantemente em Bolsonaro: no Centro-Oeste, o candidato do PL ganhou por 60,2% a 39,8%. No Sul, outra região produtora, Bolsonaro teve 61,8%; Lula, 38,2%.

Em 16 anos, os PIBs de Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Rondônia (novas frentes agrícolas) cresceram em ritmo muito superior ao de vários estados ?e mais que o dobro em relação ao paulista.

Hoje, 25% do PIB brasileiro vêm do agronegócio (que engloba agropecuária, agroindústria, insumos, distribuição e outros serviços).

Em outro artigo, de Menezes e Louzada, com participação de Rodrigo Megale, os autores investigam aspectos sociais relacionados à maior integração do comércio de Brasil e China.

Um dos temas refere-se à diminuição da mortalidade em áreas mais afetadas pelo comércio com o país asiático.

"Para um aumento de US$ 1.000 nas exportações, a mortalidade ajustada por idade é reduzida em média em 6,9 mortes por 100 mil pessoas", afirmam.

Em seguida, analisam a mortalidade por causa: "O choque de exportação reduziu a mortalidade principalmente devido a causas associadas à pobreza, como desnutrição, doenças infecciosas e parasitárias e distúrbios respiratórios", afirmam.

"As reduções na mortalidade causadas pelo choque de importação, por outro lado, são quase inteiramente impulsionadas pela redução de homicídios. As importações levam a reduções na mortalidade violenta principalmente entre os adultos jovens, e os coeficientes são maiores para os negros."

Segundo Menezes, no caso da redução de homicídios, os ganhos de produtividade e empregos gerados por máquinas e equipamentos importados da China por empresas brasileiras levou jovens a terem mais oportunidades de trabalho, diminuindo os incentivos para ingressarem em atividades criminosas.

A influência chinesa não é exclusiva ao Brasil, como comentam os autores a partir de pesquisas de outros acadêmicos.

"Estudos nos Estados Unidos descobriram que a competição de importações da China resultou em valores mais autoritários, maior apoio a políticas protecionistas por parte dos políticos, aumento da participação eleitoral, polarização política e comportamento político variado entre grupos com identidades diferentes", escrevem.

No Reino Unido, as regiões mais expostas ao "choque chinês" se voltaram a valores mais autoritários e maior apoio ao Brexit. Na Europa Ocidental, cresceu a inclinação para partidos nacionalistas e de extrema-direita.

A dúvida agora é como se dará a influência chinesa em um cenário de desaceleração. Nos anos 2000, o país asiático crescia mais de 10% ao ano, ante cerca de 3% hoje. Para o Brasil, no entanto, a expectativa é que siga consistente a demanda da China por grãos das zonas mais afetadas pelo "choque chinês" nos anos 2000.

Hoje, segundo a FGV Social, a renda média per capita do trabalho no Centro-Oeste agrícola é a maior do país. Em desigualdade medida pelo índice de Gini (de 0 a 1; quanto menor, melhor), é a segunda região menos desigual (0,57), só atrás do Sul (0,54), produtor há muitas décadas. Ambos estão melhores que Sudeste (0,59), Norte (0,61) e Nordeste (0,67).


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