SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os planos do governo federal de corrigir as contas públicas por meio da arrecadação, e não pelo corte de gastos, não dependem apenas de medidas de aumento de receita propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Os preços internacionais das commodities terão papel relevante no sucesso dessa ambição do ministro.
"No Brasil, o crescimento econômico é capitaneado pelas exportações, e estas são concentradas em commodities", diz Gustavo Fernandes, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo o especialista, desde a história colonial do Brasil, o crescimento da economia do país depende da exportação de commodities, e isso perdura até os tempos de hoje. Esse fator tem consequências diretas sobre a receita do governo federal, devido a um "vazamento" desse setor exportador para o restante da economia brasileira.
Essa relação aparece nas curvas do nível de arrecadação federal registrado pela Receita Federal e do índice CRB, cesta de preços internacionais de commodities.
Os preços internacionais de commodities, como o petróleo, que compõe cerca de 30% do índice CRB, serão relevantes para os planos fiscais do governo.
Desde o início da guerra de Israel contra a Palestina, e diante das incertezas sobre a força da atividade econômica nos Estados Unidos, os preços do petróleo são ainda motivo de dúvidas entre os analistas.
"No mercado, passou-se a discutir seriamente a possibilidade de preços na casa dos US$ 100 o barril", por conta dos "estoques cada vez mais apertados de petróleo bruto e destilados nos EUA", diz relatório do BTG Pactual publicado no dia 16 de outubro.
"Porém, o rally [disparada de preços] bateu em um limite e voltou a retroceder à luz dos riscos fiscais nos EUA", afirmam os analistas do banco.
Segundo o relatório, além da questão fiscal duvidosa nos EUA, a possibilidade de manutenção da taxa básica de juros americana em nível elevado por mais tempo frustra, "por ora, as expectativas para o crescimento da economia mundial", o que coloca em dúvida os preços internacionais do petróleo.
Os analistas, contudo, destacam mais um ponto de atenção para a virada do mercado de petróleo: a guerra no Oriente Médio. "A princípio, o conflito não envolve players relevantes, e a alta nas cotações somente será sustentada caso afete a oferta (produção e escoamento)", ponderam.
Para Gustavo Fernandes, para que o Brasil não dependa majoritariamente dos preços de commodities para ver sua arrecadação federal aumentar, há duas saídas. Ele cita, em primeiro lugar, a diversificação da produção econômica. Em segundo lugar, fala da criação de um fundo de estabilização de preços.
Esta última medida, contudo, é inviável agora, segundo o especialista, já que o atual governo não está disposto a cortar gastos para poder ceder recursos para o fundo. Além disso, o tamanho da máquina pública brasileira também torna difícil a viabilização dessa alternativa.
Assim, para Fernandes, só resta ao país neste momento a diversificação de sua produção econômica, com o fortalecimento de outros setores, como a indústria de transformação. "Pensa que um país é como um investidor. Quanto mais exposto a um único tipo de risco, mais sujeito às oscilações de mercado ele está", diz.
O especialista lembra que, com o desenvolvimento da economia chinesa, o Brasil acabou atrelando ainda mais seu crescimento à exportação de commodities demandadas pelo gigante asiático, como o minério de ferro e o aço.
"Com isso, a sociedade brasileira acabou se tornado simplória, mais parecida com uma fazenda do que com uma economia complexa", critica.
Além da hiperdependência das commodities, o economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústria do Estado de São Paulo), Igor Rocha, diz que outra fragilidade da economia brasileira em termos de arrecadação é a configuração do sistema tributário brasileiro.
"Hoje, 30% das contribuições tributárias do país vêm da indústria de transformação. Mas a tributação deveria ser proporcional à contribuição dos setores à economia brasileira", diz.
Rocha enfatiza a importância dos produtores de commodities para o país, principalmente para o controle das contas públicas externas. Mas ele argumenta que, justamente por sua importância para a economia nacional, o setor deveria participar mais na contribuição tributária.
"A atual estrutura tributária do Brasil faz com que a indústria segure o piano sozinho. Nesse cenário, em um período de esfriamento da produção industrial, como acontece atualmente por conta da influência das taxas de juros altas, a contribuição tributária recua. Afinal de contas, quem paga a conta está caindo", afirma.
A projeção da Fiesp é que o PIB industrial recue 0,4% neste ano, o que também deve impactar negativamente da arrecadação federal.
Embora alguns integrantes do governo discutam o envio ao Congresso Nacional de uma revisão da meta das contas públicas em 2024, conforme apurado pela Folha de S.Paulo, o projeto de Orçamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê o fim do déficit fiscal em 2024.
Para isso, a equipe econômica conta com uma série de medidas de aumento de receita, que Haddad classifica como correções de distorções tributárias, como a exclusão dos impostos federais de isenções fiscais concedidas pelos estados
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