SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O trabalho doméstico -lavar a louça e a roupa, fazer faxina e comida- e o de cuidado -garantir o bem-estar principalmente de crianças e idosos- recai majoritariamente sobre as mulheres, mas encontra pouco reconhecimento social e econômico, motivo pelo qual é chamado de trabalho invisível.

Em 2022, as brasileiras dedicaram 9,6 horas a mais da sua semana a essas tarefas do que homens, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em 2009, a Bolívia incluía em sua Constituição o valor econômico deste trabalho como fonte de riqueza. No ano seguinte, a Colômbia inseriu a economia do cuidado em seu sistema de contas nacionais para medir a contribuição da mulher ao desenvolvimento do país. Movimento repetido pela Costa Rica em 2015.

No Brasil, há um projeto de lei da deputada Luizianne Lins (PT-CE) que propõe a inclusão da economia do cuidado no cálculo do PIB (Produto Interno Bruto). O PL ainda aguarda votação na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.

Embora o tema esteja fazendo mais barulho, com greves de mulheres na Islândia e autoras como a italiana Silvia Federici demandando pagamento por esses serviços, as compensações pelo trabalho invisível ainda patinam ao redor do mundo.

Uma delas é feita ao final da vida, com a antecipação da aposentadoria. Dados de 51 países analisados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2021, que incluem nações-membro e as maiores economias do G20, mostram que em 17 delas mulheres se aposentavam mais cedo que homens.

No entanto, com as recentes reformas tributárias, que levam em conta o envelhecimento da população e a pandemia, apenas sete desses países mantiveram as diferenças de gênero como fator para aposentadoria antecipada para quem entra no mercado de trabalho a partir de 2020: Suíça, Colômbia, Israel, Polônia, Argentina, China e Rússia.

Outros quatro países (Áustria, Costa Rica, Eslováquia e Lituânia) equalizaram as idades, enquanto a Hungria aumentou em alguns meses a antecipação da aposentadoria feminina. Dois deles --Brasil e Turquia-- vão diminuir esse tempo. Bulgária, Croácia e Romênia não divulgaram dados.

Por aqui, após a reforma de 2019, a idade exigida para obter o benefício sobe seis meses a cada ano até atingir o limite de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. A diferença entre as idades era de cinco anos até 2019.

"A economia do cuidado precisa estar em todo o ciclo de vida das famílias e mulheres, não só na ponta final", afirma Lena Lavinas, professora titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

"Ainda assim, aposentar-se antes é justificado porque as mulheres continuam com trabalhos iguais e salários diferentes de homens."

Em 2021, a Argentina reconheceu o cuidado materno como tempo de serviço para a aposentadoria. De um a três anos podem ser acrescentados por filho no cálculo da Previdência.

No Uruguai, é possível computar um ano adicional por filho, com teto de cinco anos, desde 2008. E o Chile complementa a aposentadoria de mulheres de 65 anos ou mais de acordo com sua quantidade de filhos.

Pesquisas de uso do tempo, que refletem essas desigualdades, são feitas de maneira periódica por países desenvolvidos, que criaram a Associação Internacional de Pesquisas de Uso do Tempo. Os dados são usados para melhoria de políticas de cuidado e acesso à proteção social.

"A América Latina está na dianteira. Os países estão desenvolvendo políticas públicas de cuidado e vemos seu impacto", diz Ana Carolina Querino, representante interina da ONU Mulheres.

Outra briga das mulheres para maior equidade no quesito econômico é a paridade salarial. Pouco mais da metade dos países do mundo têm leis sobre isso, segundo o Banco Mundial, mas há poucos avanços.

Estados Unidos, Islândia, Luxemburgo e Ruanda se destacam na aplicação da norma. No Brasil, a lei foi sancionada em julho deste ano.

Estudos de Claudia Goldin, Nobel de economia deste ano, mostram que a diferença salarial entre homens e mulheres na mesma ocupação surge, principalmente, com o nascimento do primeiro filho.

"A divisão sexual do trabalho sempre esteve na raiz da desigualdade de gênero", diz Querino. "Ao compartilhar a responsabilidade pelo cuidado, as mulheres podem se dedicar a atividades produtivas com mais rendimento e estar em melhores posições de trabalho."

O relatório "Care at Work", da OIT (Organização Internacional do Trabalho), lançado em 2022, destaca que 3 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo têm menos de três meses e meio de licença-maternidade. Isso significa "tempo insuficiente para descansar, se recuperar do parto e cuidar de um recém-nascido", avalia a organização.

Mulheres dos Emirados Árabes Unidos, que compõem mais de 60% da força de trabalho no país, têm apenas seis semanas para cuidar de perto de seus bebês. Assim como mulheres do Líbano e Qatar, que representam 23% e 37% dos trabalhadores.

Já puérperas de Índia (21% da força de trabalho) e Nova Zelândia (48%) têm 26 semanas.

O Brasil vai além dos padrões estabelecidos pela entidade e dá 17 semanas de licença remunerada para mães, mas apenas cinco dias de licença-paternidade. Em casos de adoção, inclusive casais homoafetivos, a licença vai para o cuidador principal da criança.

"Nos países em que existe ampla proteção à maternidade e licença-paternidade remunerada, além de serviços de cuidado e educação na primeira infância, as taxas de emprego das mães são mais altas e contribuem para a redução das lacunas de gênero", diz Paz Arancibia, especialista regional de Gênero e Não Discriminação da OIT para América Latina e Caribe.

A licença parental, que garante que qualquer pessoa com vínculo com a criança possa se afastar para exercer o papel de cuidador, existe em 68 dos 185 países pesquisados pela OIT.

A Espanha equiparou o tempo das licenças-maternidade e paternidade, que fica em 16 semanas para cada.

Quando as trabalhadoras precisam retornar, após a licença, poucas podem contar com uma creche pública gratuita para seus filhos. Segundo a OIT, somente 21 de 178 países oferecem berçários e creches como direito universal. De maneira irrestrita, somente países da América Latina, como Brasil, Cuba e México, e do Leste Europeu, como Rússia e Ucrânia, garantem o direito.

Na outra ponta da vida, serviços de cuidados de longo prazo, como instituições de longa permanência que beneficiam idosos, são quase inexistentes na maioria dos países africanos, latino-americanos e asiáticos. Quase 85% da população mundial vive em locais em que este não é direito universal e gratuito.

Então, para famílias com idosos que necessitam de cuidados especiais, restam dois caminhos: um membro se dedica a esta função em detrimento do seu emprego ou paga-se por um cuidador ou uma instituição.

"A falta de investimentos em licenças e serviços de cuidados coloca em risco o futuro da sociedade, ao criar múltiplos obstáculos para que as pessoas possam ter um emprego remunerado e também ter filhos, cuidar de seus pais", afirma Arancibia.

Para a OIT, investimentos na economia do cuidado precisam ser dobrados para evitar uma crise global no setor. Isso significa mais empregos de qualidade e uma distribuição mais equilibrada do trabalho de cuidado não remunerado no lar, por meio de políticas públicas.

"O potencial de criação de empregos é enorme, no entanto, além da escassez de cuidadores, baixos salários, más condições de trabalho e falta de proteção e benefícios estão criando essa crise global e aumentando as desigualdades de gênero", diz a representante da OIT.

Além do investimento, seria preciso integrar a economia do cuidado à dimensão da seguridade social no Brasil.

"Isso significaria mais política pública e tempo para mulheres", diz Lena Lavinas, da UFRJ. "Municípios e governos poderiam prover casas de atenção a idosos ou benefícios monetários a quem cuida deles, mais creches e salários para mães sem acesso à licença-maternidade formal."

"Estamos avançando", diz Ana Carolina, da ONU Mulheres. "Mas temos de olhar para aspectos sociais que definem as atividades que deveriam ser feitas por mulheres ou homens. Sem mudar essas normas, não há transformação substantiva na sociedade."

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