BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Receita Federal discute a implementação de um imposto mínimo efetivo de 15% sobre o lucro das multinacionais que operam no Brasil.

O objetivo é alinhar o país ao acordo firmado por cerca de 140 economias e que tem o apoio da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Em entrevista à Folha, a subsecretária de Tributação e Contencioso da Receita, Claudia Pimentel, afirma que o órgão já trabalha em uma proposta para instituir a cobrança mínima, mas sua apresentação depende de discussões técnicas e de uma decisão política do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A OCDE projeta uma arrecadação adicional de US$ 200 bilhões anuais com a cobrança do imposto mínimo em escala global. Os países poderão aplicá-lo sempre que os tributos efetivamente pagos por uma multinacional ou suas subsidiárias sobre o lucro ficarem abaixo da proporção de 15%.

Embora as companhias no Brasil hoje recolham uma alíquota nominal de 34%, somando o IRPJ e CSLL, a existência de benefícios fiscais pode fazer com que a carga efetiva fique abaixo dos 15%.

As próprias subvenções do ICMS, que Haddad propõe taxar para ampliar a arrecadação federal, contribuem para reduzir a alíquota efetiva sobre o lucro das empresas e abrem brechas para que outros países se apropriem da tributação.

"A gente deixa de arrecadar no Brasil, dando a possibilidade de essa diferença ser arrecadada nos países que implementaram", alerta a subsecretária.

"Reconhecendo que essas empresas, ao fim e ao cabo, vão ser tributadas em algum país, então por que abrir mão desse imposto e não fazê-lo [o recolhimento] aqui no Brasil?"

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*Folha -* Como está a discussão do imposto mínimo global no Brasil?

* Claudia Pimentel -* Por causa das novas tecnologias e da digitalização da economia, grandes empresas conseguem atuar em outros países sem presença física, dificultando ou prejudicando a tributação da parcela de lucro auferida nessas jurisdições.

As discussões surgem no âmbito da OCDE nesse contexto. Alguns membros defendiam que o problema vinha da possibilidade de [a empresa] usar países com baixa tributação para se localizar e atuar em outras jurisdições.

Outros entendiam que, pelo fato de ela conseguir atuar na economia de um determinado país sem presença física, deveria ser reconhecido que o mercado teria direito a uma parcela desse lucro.

Como se decidiu resolver? Tentar tratar das duas situações. Então, criaram o Pilar 2, essa tributação mínima global de 15% efetiva. E tem o Pilar 1, a possibilidade de reconhecer que o país tem direito a uma parcela do lucro excedente de grandes multinacionais.

*Folha -* No contexto atual, é como se houvesse um deslocamento do lucro.

Pode ter também o "já que eu consigo atuar a distância, por que não atuar em um país que tem uma tributação mais favorecida [paraísos fiscais]?".

* Claudia Pimentel -* O Pilar 2 tenta endereçar trazendo a tributação mínima global de 15%. É uma alíquota efetiva. Como é feito esse cálculo? Pega o lucro contábil dessa entidade, com alguns ajustes, e verifica o imposto efetivamente recolhido. Se for abaixo de 15%, teria a tributação sobre o diferencial.

Vamos pegar um exemplo, uma entidade no Brasil que está tendo uma tributação efetiva de 12%, mas ela tem uma holding, uma controladora ou empresas do próprio grupo situadas em outros países que implementaram o Pilar 2.

Caso o Brasil não tribute essa diferença do 12% até os 15%, esses países poderão capturar isso. E, a partir de 2024, muitos estão implementando. Países da Europa, Coreia do Sul, Japão e muitos outros. E ainda que o país não adote, tem mecanismos para capturar essa diferença por outras entidades do grupo [como subsidiárias].

*Folha -* Isso significa que, se o Brasil não rever sua estrutura de tributação, vai começar a perder dinheiro?

* Claudia Pimentel -* Exato. A gente deixa de arrecadar no Brasil, dando a possibilidade de essa diferença ser arrecadada nos países que implementaram.

*Folha -* Como a Receita Federal vai fechar essa brecha?

* Claudia Pimentel -* Uma das formas seria instituir o imposto mínimo global de 15%. Você verifica entidades de multinacionais que estejam aqui, com matriz aqui ou fora, que tenham uma tributação efetiva abaixo de 15%.

O próprio Brasil já tributaria. Reconhecendo que essas empresas, ao fim e ao cabo, vão ser tributadas em algum país, então por que abrir mão desse imposto e não fazê-lo [o recolhimento] aqui no Brasil?

*Folha -* O governo vai instituir esse imposto?

A Receita Federal tem um grupo estudando e desenvolvendo a legislação, para quando tiver a decisão política do ministro, do presidente.

Alguns mencionam que a alíquota do Brasil [de impostos sobre o lucro] já é 34%, então teria pouca diferença, mas a gente sabe que não é verdade. Temos vários benefícios fiscais ou possibilidades de dedução da base de cálculo.

A própria discussão da subvenção para investimento [do ICMS] acaba por reduzir a base de cálculo de empresas, pode ter uma alíquota efetiva abaixo de 15%. Isso vai acabar sendo capturado em outros países.

*Folha -* Já se sabe quantas multinacionais se enquadram na situação e quanto será arrecadado?

* Claudia Pimentel -* Não, a gente ainda está fazendo o estudo.

*Folha -* Multinacionais com muitos benefícios fiscais de Imposto de Renda seriam as potencialmente afetadas?

* Claudia Pimentel -* Sim, principalmente quando esses incentivos são de redução da base de cálculo. Tem alguns benefícios que não afetam tanto, como quando é temporário. Ou quando é concedido um crédito fiscal do Imposto de Renda, que pode ser compensado com outros tributos ou restituível em até quatro anos. Nesse caso, o Pilar 2 reconhece isso como uma tributação. Não vai ter impacto.

Em relação aos incentivos fiscais que são efetivamente uma dedução da base, eles afetam porque você vai recolher menos imposto, e quando compara com o lucro contábil, acaba chegando a uma tributação efetiva mais baixa.

Por isso, se você quer manter um benefício, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo, o ideal seria migrar para o formato de crédito fiscal. Ele foi preservado [do imposto mínimo global] por ter a qualidade de maior controle e transparência. É muito fácil rastrear e controlar quando está sendo destinado para aquela empresa do que quando você simplesmente permite uma dedução.

*Folha -* O Brasil vai ter de rever a sua estrutura de incentivos fiscais?

* Claudia Pimentel -* Exato. Vai ter de rever. Se não, você pode estar dando um incentivo que está sendo, na verdade, tributado em outro país. Não é só o Brasil. É recomendação que todos os países façam isso. O Brasil tem de fazer o dever de casa.

*Folha -* O imposto pode ser proposto por medida provisória ou projeto de lei?

* Claudia Pimentel -* Sim, é preciso de um instrumento com força de lei. Então poderia ser um projeto de lei ou uma medida provisória.

*Folha -* Para não perder dinheiro já em 2024, teria de ter uma decisão política ainda neste ano?

* Claudia Pimentel -* Sim. E, claro, depende da tramitação do Congresso. Mas ainda está em estudo. Estamos também no contexto de outras reformas, está tudo junto.

*Folha -* O Brasil só deve conseguir implementar a partir de 2025?

* Claudia Pimentel -* Daria mais conforto. Porque teria a questão da anterioridade [antecedência anual para aprovação de mudanças no IR].

*Folha -* Já vemos um debate acalorado na tributação das subvenções. Esperam resistência ao imposto mínimo global?

* Claudia Pimentel -* É difícil fazer essa avaliação. Num cenário em que há muitos países caminhando nessa direção, isso pode ser um facilitador. Porque, ao fim e ao cabo, ou vai pagar aqui, ou vai pagar lá fora. Não vai deixar de se arrecadar esse imposto. Ele só vai deixar de ser arrecadado aqui. E a gente tem de reconhecer que o Brasil precisa desses recursos.

*Folha -* Se o Congresso aprovar a tributação das subvenções, reduz a diferença para a alíquota efetiva de 15%?

* Claudia Pimentel -* Sim. Se não tiver o benefício, a tendência é que a alíquota efetiva vai estar acima [do que é hoje]. Mas a gente reconhece que os benefícios fiscais são necessários em algumas áreas. Se quer incentivar um investimento, uma ampliação, o emprego, é válido.

O que tem de ser avaliado é a melhor forma, para não ter esse impacto de a empresa não ter o benefício, porque ela está deixando de pagar aqui, mas está pagando [o imposto mínimo] lá fora. Se der o incentivo com redução da base de cálculo do IRPJ, pode haver essa diferença.

*Folha -* Se o imposto mínimo for implementado, haverá muito litígio?

* Claudia Pimentel -* Acho que não. A gente está construindo a legislação da forma mais segura possível. E, se gera o litígio e não recolhe aqui, vai recolher provavelmente lá [em outro país]. [O custo judicial] Só vai se somar.

RAIO-X

Claudia Pimentel, 59

É graduada em engenharia mecânica e direito, possui mestrado em direito tributário. Auditora fiscal da Receita Federal do Brasil desde 1997. Ocupou diferentes cargos de coordenação técnica no órgão. É subsecretária de Tributação e Contencioso na Receita Federal e representa o Brasil em fóruns ligados ao projeto Beps, contra a erosão da base tributária e transferência de lucros, no âmbito da OCDE


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