SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho investem em escritórios do crime para aplicar golpes das falsas centrais telefônicas, por aplicativos de mensagens e na internet.
Com baixo risco, a frente de "negócios" garante retorno às facções. A atuação dos criminosos está na mira das Polícias Civis de São Paulo e Rio de Janeiro, do Ministério Público paulista e da Polícia Federal.
Especialistas em segurança pública chamam a tendência de "home office criminal", uma herança da pandemia da Covid-19. O país vive um surto de fraudes bancárias, que ganhou força após a crise sanitária.
O diagnóstico fica claro no Anuário Brasileiro de Segurança Pública: os casos de estelionato mais do que triplicaram desde 2019.
O levantamento do Fórum Brasileiro da Segurança Pública encontrou 523.820 ocorrências de estelionato há quatro anos, contra 1.819.409 em 2022, ao consolidar dados públicos dos 26 estados e do Distrito Federal.
Cinco dos estados mais populosos do país não discriminam os golpes aplicados na internet das demais ocorrências.
Reportagem da Folha mostrou, com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, que o número de golpes cometidos por meios eletrônicos explodiu em abril de 2020, quando quase triplicou em relação ao registrado em março na capital e no estado de São Paulo. Era o início da pandemia.
O aumento de relevância do estelionato por internet ou telefone acaba por atrair a atuação dos grupos faccionais de forma direta ou indireta, diz professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP Camila Nunes Dias.
Ela é autora da etnografia "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil".
"Esses crimes dependem de um grau de aprendizado de como fazer e de conhecimentos técnicos, que, em geral, não são complexos. São ainda muito menos arriscados do que os crimes patrimoniais [furto e roubo]", afirma a pesquisadora.
O dinheiro levantado pelas facções dessa forma ajuda a manter o fluxo de caixa em períodos de maior repressão ao tráfico de drogas.
As facções mantêm um leque amplo de atividades na economia ilegal, que inclui roubo de bancos, grilagem, garimpo, lavagem de dinheiro e, agora, estelionato em larga escala.
Para enganar as vítimas, os criminosos se passam por atendentes de serviços populares ou prometem soluções simples a problemas cotidianos.
Em caso recente reportado pelo UOL, por exemplo, golpistas usaram nome da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para abordar clientes insatisfeitos da Oi e roubar dados sensíveis, usados, depois, para desfalcar a conta da vítima pelo aplicativo bancário.
Como nem todos caem no golpe, essa operação demanda escala para levantar valores relevantes.
Para isso, facções montam escritórios, como um da região central da capital paulista que foi desmantelado pela Polícia Civil no dia 5 de dezembro. Na ocasião, foram presas 24 pessoas.
Essas sedes funcionam como uma empresa, com trabalhadores coordenados, dezenas de computadores, celulares e máquinas de cartão, além de documentos.
Aplicar golpes por telefone ou pela internet se enquadra no crime de estelionato, tipificado artigo 171 do Código Penal.
Desde 2021, usar redes sociais, telefone ou email na aplicação de golpes é considerado um agravante. A pena de um a cinco anos sobe para reclusão entre quatro e oito anos. Quando a pena é menor do que quatro anos, há possibilidade de fiança.
No caso dessas centrais, adiciona-se a pena por crime organizado, de três a oito anos.
Apesar de se chamar golpe da falsa central telefônica, o estelionato pode começar por mensagem em texto, via SMS, WhatsApp ou email. No texto, os criminosos instruem a vítima a procurar atendimento pelo telefone indicado.
Para conferir credibilidade ao esquema, os golpistas usam números curtos, típicos de empresas para enviar SMS. A Tim, por exemplo, usa o 1154. O telefone 4196, por sua vez, é usado por golpistas que se passam pela telecom, de acordo com o site de denúncia de spam telGuarder.
As falsas centrais telefônicas também conseguem telefones identificados com atividades comerciais, como os iniciados em "0800", "0300" e "4004". Para isso, em geral, abrem linhas em empresas de telefonia menores.
Uma quadrilha especializada do Rio de Janeiro usava até uma atendente automatizada (Unidade de Resposta Audível, no linguajar técnico) para simular o serviço bancário. Os criminosos conseguiam acesso aos dados da vítima a partir do que era teclado durante a ligação.
O líder desse grupo criminoso, Danilo Nazário Ferreira, conhecido pela alcunha "o Príncipe", foi preso pela Polícia Civil fluminense em março. A investigação apontou que o estelionatário tinha apoio do Comando Vermelho.
Para coibir o uso irregular dos serviços de 0800, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) publicou, no dia 27 de novembro, uma série de recomendações que devem ser adotadas em até 30 dias.
Especialistas em cibersegurança avaliam que a política é insuficiente, uma vez que desconsidera os outros números comerciais e telefones curtos.
Segundo dados da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), cerca de 70% das tentativas de golpes têm origem na engenharia social, em que a lábia do criminoso é a principal artimanha. Por isso, a entidade argumenta que os crimes não têm relação com brechas no sistema tecnológico dos bancos.
Quando se comprova que a fraude foi por falha da instituição financeira, deve haver ressarcimento do cliente.
Como é a principal fonte de informação sobre crimes financeiros na internet, a Febraban têm firmado acordo de cooperação com a Polícia Federal desde outubro de 2017. O último deles, de novembro, visa facilitar o compartilhamento de informações com as Polícias Civis estaduais.
A entidade e a PF mantêm, de forma conjunta, a plataforma Tentáculos, que registra ocorrências de fraudes bancárias notificadas aos bancos e depois comprovadas, por apuração interna das instituições financeiras.
Hoje, 25 bancos participam da iniciativa. De 2018 a 2023, foram deflagradas cerca de 200 operações e cumpridos 445 mandados de busca e apreensão, além de 81 prisões.
Procurada pela reportagem, a Polícia Federal afirma que as ocorrências de golpes, onde não há ressarcimento aos clientes vítimas, são tipificadas como estelionato e não são de atribuição investigativa da PF, já que não geraram prejuízo para a União. Essa responsabilidade cabe à Polícia Civil.
"As ocorrências de fraudes bancárias de atribuição da PF são classificadas como ?fraude?, tipificadas no artigo 155, inciso 4º-B, ou seja, geraram prejuízo para a Caixa Econômica Federal", diz a PF em nota.
Ainda de acordo com a Polícia Federal, na grande maioria dos casos, os golpes praticados por meio das falsas centrais telefônicas não são ressarcidos pelos bancos aos clientes. Como o prejuízo fica com a pessoa física, a PF pouco atua nessa seara, mesmo quando correntistas da Caixa são vítimas.
COMO EVITAR O GOLPE
A Febraban orienta que clientes sempre verifiquem a origem das ligações e mensagens recebidas contendo solicitações de dados. "O banco nunca liga para o cliente pedindo senha nem o número do cartão e também nunca liga para pedir para realizar uma transferência ou qualquer pagamento."
"Ao receber uma ligação suspeita, o cliente deve desligar, pegar o número de telefone que está no cartão e ligar de outro telefone para tirar a limpo essa história", acrescenta a entidade.
De acordo com o pesquisador-chefe para a América Latina da empresa de cibersegurança Kaspersky, Fabio Assolini, o volume de chamadas nessas fraudes é tão grande que alguns golpistas até filtram as ligações recebidas para aceitar apenas aquelas feitas pelos números que receberam mensagens fraudulentas.
COMO RESOLVER?
Caso seja vítima de um golpe, a pessoa deve entrar em contato com a empresa, órgão ou instituição bancária, por meio dos canais oficiais para informar a ocorrência. Precisa também alterar senhas e conferir se há movimentações estranhas nas contas bancárias, segundo a Anatel.
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PF
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