SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se alguém pudesse prever o futuro, essa pessoa certamente seria rica. Apesar de ser impossível, tentar antecipar o que está por vir está por trás de muitas decisões cotidianas, especialmente as relacionadas a investimentos.
Mas, e se, em vez de tentar prever as mudanças do futuro, identificássemos o que nunca muda? Essa é a premissa do novo livro de Morgan Housel, 37. Por meio de diversas anedotas, o autor americano introduz conceitos-chave da economia comportamental em "O Mesmo de Sempre - Um Guia para o que Não Muda Nunca", lançado pela editora Objetiva no Brasil, ao fim de 2023.
Com essas lições, que envolvem histórias sobre Martin Luther King e Bill Gates e evocam reflexões pessoais, Housel espera melhorar a capacidade de tomar decisões dos leitores.
"O Mesmo de Sempre" funciona como uma continuidade do seu best-seller, "A Psicologia Financeira: Lições Atemporais sobre Fortuna, Ganância e Felicidade", que vendeu mais de 3 milhões de cópias e foi traduzido para 53 idiomas.
Segundo Housel, o propósito do seu novo livro é instilar um pouco de humildade em todos. "Reconhecer que não sabemos o que vai mudar no futuro e focar o que sabemos que não vai mudar", disse em entrevista à Folha de S.Paulo.
PERGUNTA - Como obter independência financeira? Como controlar melhor as finanças?
MORGAN HOUSEL - Não há regras que sirvam para todos. Há pessoas que vão viver sua melhor e mais feliz vida se estiverem gastando a maior parte do seu dinheiro e também há as pessoas que só vão viver felizes se estiverem economizando muito dinheiro.
Eu acho que nasci com a mentalidade de ser poupador. [Guardar dinheiro] nunca foi um desafio para mim, mesmo quando eu ganhava pouco, sempre foi algo muito natural para mim. Nunca exigiu muito esforço. Mas acho que isso acontece porque é assim que meu cérebro é programado. Há pessoas que, se tentassem fazer isso, ficariam infelizes.
Então, acho que uma das primeiras regras [para ter independência financeira] é se descobrir. Se você sempre teve dificuldade para economizar, talvez isso faça parte de sua personalidade.
Também há as pessoas que genuinamente querem economizar e têm dificuldade para fazer isso. A partir daí, eu olharia internamente e perguntaria: "Qual é a causa de todos os gastos que você está fazendo?". É porque está apenas tentando acompanhar as necessidades básicas de aluguel e comida? Ou porque está tentando mostrar às pessoas que tem roupas muito boas, um carro legal, um bom apartamento?
Isso pode ser o reflexo de algo mais profundo, que é o fato de você estar tentando ganhar respeito e admiração das outras pessoas por meio dos seus gastos, não por meio da sua amizade ou capacidade de amar, ser empático ou seu senso de humor.
P - Que dica você daria para alguém que não tem controle sobre o dinheiro?
MH - Nessa situação, você não precisa de um consultor financeiro. Você precisa de um terapeuta que vá um pouco mais fundo.
Se você é o tipo de pessoa controlada pelo dinheiro, isso é um indicativo de uma ferida mais profunda que você está tentando preencher. Em nove de cada dez vezes essa ferida o leva a tentar fazer com que outras pessoas o admirem e o respeitem, e você pensa que ter mais dinheiro é a única maneira de fazer isso. Reconhecer isso é algo muito importante.
O dinheiro é apenas uma ferramenta para, esperançosamente, dar a si mesmo uma vida melhor. Mas, para muitas pessoas, é mais como uma droga, que você pensa ser a solução para seus problemas, a chave para sua felicidade. Mas, se você é viciado nisso, não é. Na verdade, pode ser a fonte de seus problemas, a fonte de sua dor. E você precisa cavar um pouco mais fundo para descobrir de onde vem essa dor.
P - No que você investe?
MH - Invisto quase exclusivamente em ETFs (fundos de índice) muito amplos, que contam com ações do mercado dos EUA e internacionais.
Em vez de tentar escolher uma determinada ação ou setor, eu quero possuir toda a economia. Essa é a aposta que estou fazendo porque, se eu mantiver as coisas simples assim, aumenta a probabilidade de eu poder seguir nessa estratégia pelos próximos 50 anos, e deixar que se acumule. Historicamente, é aí que a maior riqueza foi encontrada.
P - Na sua visão, o debate em torno do dinheiro e educação financeira melhorou ao longo dos anos?
MH - Melhorou por causa da internet. Antes, na década de 1990, a menos que você fosse rico, não poderia falar com um consultor financeiro. Eles eram restritos a pessoas ricas. Ninguém mais tinha informações, educação, visão do que estava acontecendo.
Hoje, qualquer pessoa com um telefone, não importa quanto dinheiro você ganhe, quanto dinheiro você tenha, tem acesso à informação. Essa democratização da informação tem sido enorme.
Agora, isso também abriu a porta para ver como pessoas ricas vivem, o que pode causar um sentimento de inveja e angústia social que alimenta preocupações com dinheiro. Antes disso, as pessoas de baixa renda socializavam principalmente com outras pessoas de baixa renda e não se sentiam tão pobres.
P - Qual o seu conselho para que as pessoas não caiam em golpes ou façam investimentos inadequados?
MH - Qualquer pessoa que esteja prometendo a capacidade de ficar rico rapidamente, é certo que estão te enganando. A única maneira de ficar rico é empreender a sua própria ideia, ou acumular capital lentamente ao longo do tempo. Essas são as únicas maneiras de fazer isso.
Qualquer coisa intermediária, como "posso ficar rico com bitcoin rapidamente", simplesmente não funciona. O mundo não é tão generoso com as pessoas a ponto de permitir que você fique rico da noite para o dia sem esforço.
Todo o mundo tem que abrir mão de algo por sua riqueza, seja paciência, sejam os riscos que você assume como empreendedor. Não há caminhos fáceis para fazer isso.
P - Você se considera rico?
MH - Eu me considero satisfeito, o que significa que tenho o suficiente para cuidar da minha família e dar a eles tudo o que precisam e muito do que querem.
Não usaria a palavra riqueza. Não acho que algo bom venha dessa palavra. Estar satisfeito com o que você tem é o melhor que você pode fazer.
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