SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com modelos já encomendados por empresas de diversos segmentos, o mercado de eVtols (aeronaves de decolagem e pouso na vertical) --popularmente conhecidas como carros voadores-- vê avançar o debate regulatório que vai definir requisitos para a operação desses veículos nos próximos anos.
No Brasil, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) está recebendo sugestões de representantes do setor para certificar o modelo de eVtol da Eve, empresa controlada pela Embraer. A consulta termina no dia 15 de março.
A certificação tenta aproveitar requisitos já estabelecidos no regulamento da autarquia, mas se depara com questões novas, como a gestão de bateria e o controle de voo, segundo Roberto Honorato, superintendente de aeronavegabilidade da Anac.
"A motorização elétrica não é habitual na aviação. Poucos fabricantes disponibilizam para o mercado equipamento com propulsão a bateria. É uma novidade, o motor elétrico tem uma característica [própria] de funcionamento, de parâmetro", afirma Honorato.
A montagem do primeiro protótipo em escala real já foi iniciada, e a empresa diz que dará sequência a uma campanha de testes. No ano passado, a Eve anunciou sua fábrica, em Taubaté --a planta ainda não tem previsão para começar a operar.
Totalmente elétrico e com um alcance de 100 quilômetros, o eVtol brasileiro é do tipo lift & cruise, ou seja, possui asas e rotores (hélices) separados para propulsão vertical e horizontal.
No entanto, para que seus eVtols comecem a operar comercialmente no Brasil, a Eve precisará do certificado que está sendo debatido pela Anac. Após a definição da base de certificação pela agência, a fabricante deverá demonstrar que cumpre os requisitos estabelecidos para, então, receber o aval da autarquia.
De acordo com Honorato, embora o processo beneficie somente o modelo da Eve, o documento poderá servir como base para regras de certificação de carros voadores de outras empresas.
Além do trâmite na Anac, a Eve também pediu à FAA (Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos) uma validação simultânea do seu eVtol para que o veículo possa ser operado no país.
O recurso também foi usado pela alemã Lilium, que pediu à Anac a validação de seu veículo voador. Nesse caso, a certificação fica por conta da Easa (Agência Europeia para a Segurança da Aviação), e a agência brasileira, em um processo mais simplificado, dá o aval concomitantemente.
A validação também foi solicitada à Anac pela britânica Vertical.
Já a chinesa eHang conseguiu sua certificação com CAAC (a Anac da China) no fim do ano passado para seu modelo EH216-S.
A movimentação das agências regulatórias e das fabricantes ocorre enquanto o mercado ganha força e vê novos modelos e tecnologias chegarem ao segmento.
"Nos últimos dois anos, e mais especificamente no último ano, a gente tem uma crescente de empresas aparecendo com equipamentos e vendendo um cenário da aviação totalmente elétrica com milhares de eVtols no meio das cidades", diz Honorato.
Em janeiro, durante o CES (megaevento de tecnologia para o consumidor realizado em Las Vegas), a Supernal, da Hyundai, apresentou seu novo projeto de carro voador, o S-A2. Versão melhorada do original S-A1, o veículo estará disponível no mercado em 2028, segundo a montadora.
As marcas que já preparam seus modelos para fabricação e operação são muitas, como Eve, Lilium, Vertical, Airbus, Beta e Joby.
A Eve aparece em primeiro lugar em um ranking elaborado pela consultoria SMG que monitora os pedidos de eVtols, eStols (aeronaves de pista curta) e eCtols (aeronaves de propulsão elétrica que usam pistas convencionais).
Com as primeiras entregas programadas para 2026, a Eve já soma, no total, 2.850 pedidos de seu eVtol para 28 clientes, que são operadores de helicópteros, companhias aéreas, empresas de leasing e plataformas de voos compartilhados.
Segundo a fabricante, as encomendas representam mais de US$ 8 bilhões (quase R$ 40 bilhões) em cartas de intenção para adquirir o produto.
Para André Castellini, da consultoria Bain & Company, o sucesso nas encomendas observado pela Eve até o momento se apoia no histórico da Embraer.
"Eles conseguiram, tanto na aviação executiva como na aviação comercial leve, introduzir produtos rapidamente, dentro do orçamento e com um nível de inovação alto", diz.
À espera de eVtols encomendados com Eve, Supernal (Hyundai) e Jaunt Air Mobility, o CEO da companhia de táxi aéreo Flapper, Paul Malick, diz que a empresa brasileira tem algumas vantagens sobre as suas rivais, como baixo custo, boa capitalização e a influência da Embraer.
"Muitos dos projetos vão falir por falta de capital, contratos fixos. A grande vantagem da Eve nesta selva de eVtols é que eles têm uma base de custos incomparável com qualquer outro produtor, com acesso a recursos e ao aeródromo de teste da Embraer e custos fixos muito baixos", afirma Malick.
Na visão do executivo, São Paulo é uma cidade perfeita para receber eVtols, porque possui muitos helipontos e já tem uma forte cultura de uso de helicópteros. A infraestrutura para o uso desses veículos na capital paulista é mais atraente do que em locais como Nova York, segundo ele.
Há ainda questões a serem resolvidas para o começo das operações comerciais dos eVtols, de acordo com os especialistas, como adequação de helipontos, construção de estações de recarga e a fonte de energia que move os carros voadores.
Ainda que a maioria dos projetos sejam elétricos, algumas empresas já apresentaram modelos de eVtols híbridos ou a hidrogênio, como é o caso do Skai, da Alaka'i Technologies, movido a células de hidrogênio, e o Chaparral C1, da Elroy Air, que tem um sistema híbrido de propulsão e será usado no transporte de cargas.
A demanda por energia é um dos obstáculos para os fabricantes de eVtol, já que um grande número de baterias pode reduzir a capacidade do modelo, ocupar espaço e aumentar o peso do veículo.
Ainda assim, a expectativa para o início do uso dos carros voadores é grande.
Em junho do ano passado, a Volocopter disse, durante o International Paris Air Show, que vai oferecer, em Paris, transporte de eVtol para o público como um complemento ao sistema de transporte da região. De acordo com a empresa, o serviço será iniciado a tempo das Olimpíadas deste ano.
De acordo com um estudo da Deloitte, no entanto, a nível global, a implementação do serviço de veículos voadores será em etapas graduais que vão abranger diferentes públicos.
Segundo a consultoria, em um primeiro momento, andarão de eVtol pessoas mais ricas, que terão os veículos como uma alternativa aos helicópteros e no transporte para aeroportos próximos.
Logo depois, a tecnologia deve se popularizar aos poucos entre executivos e turistas até chegar aos viajantes diários que querem se deslocar entre destinos próximos, em substituição ao transporte público.
A Deloitte estima que a indústria de mobilidade aérea avançada, grupo que inclui predominantemente os eVtols, vai se tornar popular somente na década de 2030.
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