BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Caixa Econômica Federal começou a repassar à União os depósitos judiciais retidos indevidamente pelo banco. Segundo diferentes técnicos do governo, uma primeira parcela de pouco mais de R$ 1,5 bilhão entrou no caixa do governo em janeiro.

Outros quase R$ 8 bilhões devem ser pagos ainda em fevereiro. A transferência é resultado do processo de auditoria nos valores, que vinha sendo conduzido pelo banco desde o ano passado e teve a colaboração da AGU (Advocacia-Geral da União).

O dinheiro deve servir para reforçar o caixa do Tesouro Nacional em um momento em que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) está sob pressão para mostrar a viabilidade da meta de déficit zero em 2024 e evitar um contingenciamento excessivo de despesas na primeira avaliação do Orçamento, em março.

Como não estavam contabilizadas no Orçamento, essas receitas ajudarão a mitigar os efeitos negativos de frustrações com medidas desidratadas pelo Congresso Nacional.

Procurados, Tesouro e Caixa não se manifestaram até a publicação deste texto.

A legislação prevê que depósitos judiciais e extrajudiciais de valores tributários ou não tributários em disputas com União e suas entidades devem ser feitos na Caixa, que fará o repasse do dinheiro à conta única do Tesouro. Caso a União seja derrotada na ação judicial, as cifras são devolvidas com correção ao banco, que as restitui ao depositante.

Como revelou a Folha de S.Paulo, o banco abriu no ano passado uma auditoria interna após detectar que valores substanciais desses depósitos estavam sendo retidos indevidamente.

Os recursos dos depósitos judiciais chegaram a ser incluídos pelo governo nas previsões de receitas do Orçamento de 2023, na tentativa de assegurar um déficit de até 1% do PIB (Produto Interno Bruto), promessa de Haddad no início da gestão.

Na avaliação divulgada em 21 de julho de 2023, a equipe econômica ampliou em R$ 12,6 bilhões sua projeção de arrecadação com "outras receitas administradas", contando com o repasse dos depósitos antes mesmo de ter certeza de que todo o dinheiro seria, de fato, devido à União.

Até então, a Caixa havia mapeado R$ 14,9 bilhões em depósitos irregulares, mas uma parte não tinha nenhum nome ou CNPJ vinculado.

Quatro meses depois e com os números reais da situação fiscal cada vez mais longe da meta informal de 1% do PIB, o governo adiou o ingresso dessas receitas para 2024.

A justificativa oficial foi a necessidade de depurar as informações sobre os depósitos, mas a decisão foi conveniente ao proporcionar uma fonte extra de arrecadação neste ano.

Em ofício de setembro, a Caixa apontou que o valor total levantado já havia chegado a R$ 19 bilhões. Um pente-fino conduzido pelo banco e pela AGU, com apoio da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), está identificando o que de fato precisa ser repassado à União.

As devoluções discutidas até agora correspondem apenas aos depósitos em si.

Em um segundo momento, a Caixa precisará acertar com o Tesouro Nacional uma solução para o problema da remuneração desses recursos, que ficou abaixo do devido e gerou um descasamento entre o valor atualizado da garantia dada em juízo e o montante efetivamente aportado nas contas.

O dinheiro retido indevidamente pelo banco foi corrigido pela TR (Taxa Referencial), próxima de zero, enquanto a conta única do Tesouro Nacional é remunerada de acordo com a rentabilidade dos títulos públicos da carteira do Banco Central.

Essa taxa é, em boa parte do tempo, próxima à Selic, mas pode ser inclusive maior. Entre 2009 e 2022, ela ficou entre 7,32% e 13,75% ao ano.

Mesmo nos períodos de Selic mais baixa, a TR ficou constantemente abaixo da Selic, o que propiciou o descasamento. Na prática, é como se não houvesse lastro real suficiente para as obrigações judiciais, caso os depósitos precisem ser devolvidos.

Técnicos ouvidos pela reportagem asseguram que isso não terá consequências negativas para o Judiciário ou para os indivíduos ou as empresas que são parte nos processos atingidos. O problema será resolvido, dizem. Só falta definir quem vai pagar a conta dessa diferença: a Caixa, com recursos próprios, ou a União.

O governo ainda não fechou uma estimativa de quanto será essa diferença de remuneração, pois o cálculo depende de quando o depósito foi feito, o tempo decorrido até a transferência à conta única do Tesouro, os valores envolvidos e o diferencial entre as taxas, além de outros fatores técnicos.

Além da complexidade de fazer essa conta, a discussão é sensível porque a Caixa já estava em uma situação pouco confortável, com piora em seus indicadores de capital e risco.

As normas para o chamado índice de Basileia exigem que, para cada R$ 100 emprestados, os bancos tenham R$ 11,50 de capital dos sócios (um índice de 11,50%). No terceiro trimestre de 2023, o indicador da Caixa estava em 16,94%, contra 18,41% no fim de 2022.

Em avaliações preliminares, representantes do banco indicaram a interlocutores que a devolução dos depósitos poderia ser feita sem comprometer o chamado índice de Basileia, que demonstra o quanto de capital dos sócios o banco deve ter em relação aos recursos emprestados.

Mas uma exigência maior de caixa para honrar as remunerações não pagas poderia piorar ainda mais a posição da instituição.

O TCU (Tribunal de Contas da União) também acompanha o caso e abriu um processo específico para apurar eventuais responsabilidades.

A demora no repasse dos depósitos pode ter dado ao banco uma fonte barata de recursos para conceder novos empréstimos, além de ter contribuído para melhorar o resultado da instituição financeira ?variável relevante para determinar, por exemplo, a distribuição de dividendos à União.

Até agora, porém, não há elementos ou indícios que sugiram dolo da Caixa em segurar os valores.


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