BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) decididos por meio do chamado voto de desempate, recriado em 2023, ajudaram a elevar as receitas da União no ano passado. Ainda assim, o instrumento não foi suficiente para mudar o favoritismo do contribuinte nas conclusões do órgão.
Foram R$ 278 bilhões julgados em 2023 pelo Carf. Desse total, 15% (ou R$ 40,9 bilhões) foram decididos por meio do voto de desempate e, de acordo com o Ministério da Fazenda, a Receita Federal foi vitoriosa na "esmagadora maioria" desses casos.
Recriado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no ano passado em meio à busca por mais receitas federais, o voto de desempate é do presidente da sessão, um representante da Fazenda. Antes da recriação, o empate era automaticamente favorável ao contribuinte.
O voto de desempate, encerrado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), foi recriado pelo atual governo por meio de MP (medida provisória). A iniciativa enfrentou uma série de resistências entre empresários e parlamentares, que ligaram a medida a uma "sanha arrecadatória" da atual gestão, e acabou aprovada por meio de projeto de lei após concessões feitas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Mesmo com a volta do instrumento, no entanto, pessoas e empresas que disputam os casos com a União saíram vitoriosas em 61% (ou R$ 169 bilhões) dos recursos julgados pelo Carf em 2023. O valor é mais baixo que em 2022 (78%), quando o mecanismo havia sido extinto e os empates favoreciam automaticamente o contribuinte, mas fica pouco abaixo da média de 62% observada nos anos pré-pandemia (2018 e 2019).
O presidente do Carf, Carlos Higino, afirma que as mudanças foram benéficas e que têm ajudado a diminuir a quantidade de casos que continuam em discussão na esfera judicial. Isso porque o contribuinte que aceita o resultado do julgamento decidido por voto de desempate sem recorrer ao Poder Judiciário tem juros e multa abatidos.
"O voto de qualidade com benefícios [tem o mérito] de tentar diminuir o litígio, para que a discussão não vá para o Judiciário. Em caso de decisão com o voto [de desempate], fica sem multa, que pode chegar até 220% do valor. E se pagar em 90 dias tira também o juro", disse.
O Carf é paritário, com metade dos conselheiros indicados pelos contribuintes e a outra metade pelo governo federal. Já os presidentes de cada turma são escolhidos entre os nomeados pela Receita Federal.
Para Higino, o tempo tomado para resolver as disputas é uma questão central a ser enfrentada pelo órgão. "O principal problema que vemos é que contencioso demora demais", apontou Higino.
A lei que rege o funcionamento do órgão define que todo recurso deve ser julgado em até um ano. Isso acontece na última instância, cujo tempo médio de decisão é de 345 dias.
O problema maior está na instância logo abaixo, a primeira no Carf, cujo tempo médio de julgamento é de 1.269 dias (3,4 anos).
A meta de Higino é conseguir reduzir, até 2026, esse tempo médio para o que diz a lei: 365 dias. Esse será o foco do esforço a partir de 2025. Neste ano, o objetivo principal é reduzir o valor total em julgamento ao decidir sobre grandes casos.
Para isso, o Carf está desenvolvendo duas novas ferramentas em parceria com a estatal Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). A primeira é a criação de um plenário virtual nos moldes do que já acontece no STF (Supremo Tribunal Federal). A ideia é utilizá-lo a partir do segundo semestre para casos menores. Já os processos que envolvem cifras maiores continuarão a ser discutidos no plenário tradicional.
A segunda é uma ferramenta de inteligência artificial para ajudar os conselheiros na redação dos seus votos. A ideia é criar um programa que usa aprendizagem de modelo de linguagem, software semelhante ao Chat GPT. O programa será alimentado com decisões do Carf e de outras instâncias.
O Carf tem hoje um estoque de 83,9 mil processos, totalizando R$ 1,2 trilhão em discussão. "Isso é quase 10% do PIB [Produto Interno Bruto], totalmente fora do padrão", constatou Higino.
O número de processos tem caído desde 2018, quando o ano terminou com 123 mil casos, mas o mesmo não aconteceu com o valor em discussão -que passou de R$ 638 bilhões em 2018 para o valor atual.
Do total em debate no conselho, R$ 497,8 bilhões (cerca de 40%) estão concentrados em apenas 177 casos. Na outra ponta, há 22,2 mil processos cujos valores em discussão estão abaixo de R$ 84,7 mil (juntos, eles somam R$ 563,5 milhões).
O advogado Leandro Bettini, sócio do MJ Alves Burle e Viana Advogados, diz que o foco do Carf em 2024 em casos de maior valor deve fazer o volume financeiro das decisões pró-União aumentar. "O Ministério da Fazenda viu no Carf uma oportunidade de arrecadação e ele não deveria ser órgão que visa a arrecadação", opinou.
Para ele, o valor das decisões pró-contribuinte maior do que os demais esconde uma dinâmica nociva. "História, estudos acadêmicos e dados mostram que processos de maior valor são mais complexos e têm tendência de ter decisão acirrada e empate. Com o voto de qualidade, são decisões quase sempre pró-Fazenda", disse.
A professora e ex-conselheira do Carf, Karem Jureidini, aponta que a nova legislação, com o perdão de multas e juros em caso de empate, ficou "extremamente equilibrada", mas ela lamenta ainda ter um alto valor decidido com o voto de desempate -já que as decisões têm sido predominantemente pró-Fazenda.
"Nossa fotografia hoje é que permanecemos com muitos votos de bancada [empate], mas a nova norma ameniza esses efeitos. [Com o empate] fica evidenciada a dúvida razoável. Tira a multa e o contribuinte [também] pode se defender ", diz.
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