Ailton Alves Ailton Alves 14/12/2009

Vitória ou Morte, pela terceira vez

Estádio de Futebol e a bandeira de três paísesPara a clássica semifinal da primeira Copa que ninguém viu (simplesmente porque nunca aconteceu), os uruguaios atravessaram a Bacia do Prata aos gritos de "vitória ou morte". Exatamente como acontecera, em sentido contrário, em 1930, quando os viajantes eram os argentinos e a ameaça ecoou em Montevidéu. E da mesma forma que Benito Mussolini dirigiu-se aos jogadores italianos, antes da final da Copa de 1934.

A Argentina era favorita, mas o Uruguai nunca tinha perdido um jogo de Copa do Mundo e ostentava, indubitavelmente, mais garra que o adversário.

E essa vontade de ganhar, o amor à camisa Celeste, nada mais que isso, foi o responsável pela surpresa inicial da partida. Quando os torcedores ainda se acomodavam no estádio Monumental de Nuñez, Castro invadiu a área pela direita e chutou cruzado. A bola ainda tocou na trave antes de ganhar as redes argentinas. E dez minutos depois, um chute fraco, mas bem colocado, de Roberto Porta, novamente passou pelo goleiro Gualco.

Era quase inacreditável. Além de estar em desvantagem de dois gols, os tão decantados talento e entrosamento dos argentinos não funcionavam. E do outro lado estava Gambetta, jogando de forma excepcional, impedindo qualquer avanço dos rivais.

A Argentina, talvez pela primeira vez na vida daquele escrete, precisou contar com a sorte, para não chegar ao intervalo com uma diferença tão grande no placar. No derradeiro minuto, depois de um escanteio, a bola quicou na área uruguaia. Gambetta, como sempre, apareceu para tirar o perigo e chutou forte para frente. Era impossível que ele não tivesse visto Sastre, mas a verdade é que o avante argentino estava ali e recebeu a pelota no rosto. Surpreendido ficou também o goleiro Paz, que não conseguiu impedir o famoso gol de nariz que deu uma nova vida à Argentina.

No segundo tempo, Gambetta estava nitidamente perturbado, se sentindo culpado pelo primeiro gol do adversário e não exibia mais aquela segurança de outrora. E, como insegurança atrai azar, uma bola foi lançada para a área uruguaia, ele saiu para cortar e escorregou no gramado pesado. Loustau, o mais leve dos atacantes argentinos, tocou a pelota com o bico da chuteira para empatar a partida.

Os torcedores da Celeste Olímpica perceberam, naquele momento, que a Copa estava perdida. E realmente não havia o que fazer. Reencontrado o jogo, a "Máquina” engrenou. A linha de atacantes funcionava a mil maravilhas e bombardeava a cidadela uruguaia com uma frequência assustadora.

O desempate era questão de minutos e veio em dois lances de Moreno. O primeiro de cabeça e o segundo de uma forma que deixou bem claro para o mundo que, se realmente as copas de 1942 e 1946 tivessem acontecido, seria difícil barrar o bicampeonato da Argentina. O lance contou com a participação de todos os cinco avantes (Pedernera, Sastre, Labruna, Moreno e Loustau), que ficaram trocando passes a partir da intermediária, em uma evolução irresistível, até que Labruna deu o penúltimo toque para Moreno, já então na marca do pênalti, fuzilar o goleiro e terminar com a tortura uruguaia.

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Os finalistas daquela Copa, Argentina e Brasil, já haviam se enfrentado 27 vezes, com 16 vitórias dos argentinos, quatro empates e sete triunfos dos brasileiros.

Na última vez, havia dado Argentina, 2 a 1, no início do ano, em Montevidéu, pelo Campeonato Sul-Americano, e ainda estava atravessada na garganta dos brasileiros as duas goleadas sofridas em março de 1940 (6 a 1 e 5 a 1, ambas em solo argentino).

Era um prenúncio. Todo esse retrospecto, mais o embalo argentino e uma certa confusão na cabeça dos brasileiros, faziam da seleção azul e branco a favorita absoluta para a partida.

E de fato não haveria surpresas. A vitória e o título vieram normalmente.

Após a conquista da Copa, quando a notícia chegou com detalhes à Europa, os jornalistas esportivos do Velho Mundo, mesmo sem ter visto a competição (que, afinal, não aconteceu), concordaram que realmente o título estava em boas mãos. Apenas uns poucos levantaram uma hipótese bastante improvável: a de que a Alemanha, ou melhor o time do III Reich, com jogadores dos países anexados por Adolf Hitler (Tchecoslováquia, Polônia e França), pudesse fazer frente à “Máquina”.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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