SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O repórter e comentarista Roberto Carmona, que morreu neste domingo (4), aos 86 anos, deixa uma longa história no rádio esportivo paulista. Com passagens pelas rádios Gazeta, Record, Bandeirantes, Jovem Pan, Excelsior e Globo, trabalhava na Transamérica, que interrompeu sua programação para homenagens ao profissional.

Segundo a Transamérica, o radialista deu entrada no hospital para fazer uma pequena cirurgia na coluna, mas acabou contraindo uma infecção bacteriológica que acabou o levando à morte.

Como repórter, Carmona fez durante anos parte da tradicional equipe de Osmar Santos, na Globo, ao lado do também repórter Fausto Silva e do comentarista Carlos Aymar. Cobriu Copas do Mundo e corridas de Fórmula 1, além de campeonatos brasileiros e paulistas. Mas foi durante a cobertura de um Corinthians x Santos em 1980 no Morumbi que Carmona viveu uma das situações mais insólitas para um jornalista esportivo.

No segundo tempo, após Vaguinho abrir o placar para o Corinthians, os jogadores do Santos correram em direção ao bandeirinha para protestar, e Carmona correu em direção a eles para tentar uma entrevista. O árbitro José de Assis Aragão não gostou da atitude do repórter, agarrou seu microfone e tentou impedi-lo de se aproximar dos atletas. O diálogo foi registrado ao vivo.

"Não encoste a mão em mim, não, Zé de Assis, não coloque a mão em mim, não! Você não é homem para isso não. Você não é homem pra isso!", bradou o repórter.

"Você está expulso!", retrucou o árbitro.

"Expulso de quê?"

"Do jogo. Você está expulso."

"Você está brincando, rapaz, você está louco!"

O jornalista se recusou a deixar o gramado, mesmo após Aragão afirmar que não reiniciaria o jogo enquanto Carmona não saísse. Até a polícia foi acionada. Depois de mais de dez minutos de impasse, o repórter finalmente saiu de campo, sob protestos dele e de Osmar Santos na transmissão.

"O Aragão vai expulsar o Roberto Carmona numa atitude evidentemente radical. O Aragão tinha que se preocupar mais é com o andamento técnico da partida. Se preocupar com o controle emocional do jogo. O Carmona não tumultuou nada e não prejudicou nada. Esta é uma atitude radical do árbitro e nós não podemos concordar."

DADO COMO MORTO POR MILTON NEVES

Em 2019, o apresentador Milton Neves relatou outro episódio curioso: o dia em que ele anunciou no ar a morte do jornalista amigo, embora Carmona estivesse vivo. Foi em um domingo de manhã, "ali por 1998, 2000, 2002, 2003 ou teria sido em 2004", conforme Milton contou em seu blog no UOL Esporte.

Naquele dia, Milton acordou e logo recebeu informações de diversas fontes sobre a morte de Carmona. Quando entrou no ar, o jornalista deu a informação falsa, sem hesitar.

"Desfilei tudo que sabia de Roberto Carmona, 'o morto". Enfim, dei a notícia sem checar, afinal meus teletrinzistas [fontes] nunca erraram comigo e era impossível três centenas deles estarem enganados. Mas estavam! E como!", afirmou Milton.

Alguns minutos depois, o jornalista foi surpreendido ainda no ar com uma ligação de Carmona, anunciando que estava vivo: "Seu imbecil, aqui é o Carmona! Eu não morri, não, estou aqui no velório de minha mãe, foi ela que morreu, eu não!", esbravejou o radialista. Constrangido, Milton Neves se corrigiu no ar e já afirmou ter pedido desculpas "mil vezes" para o amigo.

Três anos depois, coube ao próprio Milton a noticiar, neste domingo (4), a morte de Carmona.

CLEBER MACHADO RELATA CONSELHO

A caminho da NeoQuímica Arena, onde ia trabalhar na transmissão de Corinthians x Internacional, o narrador Cléber Machado atendeu a Transamérica para contar uma história que viveu com Carmona, com quem trabalhou na Globo.

"Ele me deu uma lição das mais brilhantes", contou o narrador, que também trabalhou como repórter. "Ele me disse: 'Repórter é o seguinte: você pode saber tudo sobre o assunto, mas faz a pergunta e deixa o entrevistado responder'. Não à toa foi um dos repórteres mais brilhantes do esporte."

COPAS

Carmona participou da cobertura de quase todas as edições de Copa do Mundo desde 1974, na Alemanha (em 2018, ele não viajou à Rússia por problemas de saúde). Em 1974, ele cobria a Fórmula 1, quando foi deslocado para trabalhar em um jogo da seleção. Mas sua grande experiência em Copa foi mesmo quatro anos depois, na Argentina.

Na época, os repórteres não eram autorizados a ficar em campo durante o jogo, mas Carmona contou com a sorte e um pouco de ousadia para superar essa dificuldade. Na disputa de terceiro lugar, entre Brasil e Itália, um bombeiro brasileiro que trabalhava na partida permitiu sua entrada no gramado desde que o repórter o ajudasse traduzindo suas conversas com os colegas argentinos.

"Foi uma coincidência, uma coisa do destino, que só acontece quando a gente menos espera. Eu estava com o microfone dentro do casaco e comuniquei ao técnico da rádio: 'Já avisa o Osmar [Santos] que eu estou dentro do gramado e não pretendo sair daqui'", contou Carmona em uma entrevista ao "Portal Imprensa" em 2014.

"Eu fiz o jogo de dentro do gramado, entrevistei os jogadores no final, quando eles se abraçaram... Falei com o técnico do Brasil, Cláudio Coutinho... E o Osmar cresceu na cabine! Ele falava: 'Rádio Globo, a única emissora com repórter no gramado!'. Evidentemente que os companheiros que estavam lá em cima, na cabine, imediatamente me deduraram."

Roberto Carmona era viúvo de Regina, que morreu ano passado, e deixa quatro filho e oito netos.


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