NAZARÉ, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Primeiro acidente fatal no surfe de ondas gigantes na cidade de Nazaré, em Portugal, a morte do brasileiro Márcio Freire, 47, um dos pioneiros da modalidade, completa um mês neste domingo (5). Aos poucos, a rotina na região, que atrai surfistas profissionais e amadores do mundo inteiro, foi retomando a normalidade, após dias iniciais de luto em que, mesmo com o mar em boas condições, muitos atletas preferiram ficar na areia.

Em uma semana bastante ensolarada, apesar das baixas temperaturas e do vento cortante do inverno português, a Praia do Norte já está de volta ao ritmo habitual, com surfistas em atividade sempre que as condições das águas estão favoráveis.

Nas rodas de conversa, porém, o assunto ainda está fresco. Com mais de três décadas de dedicação ao esporte, Freire era considerado uma referência para muitos dos atletas das ondas gigantes, que nesta altura do ano desembarcam em peso na cidade de cerca de 15 mil habitantes.

A Câmara Municipal (equivalente à prefeitura) de Nazaré emitiu uma nota em que lamentou a morte do brasileiro, mas não anunciou mudanças no protocolo de segurança para a movimentada temporada de ondas gigantes na cidade, de outubro a março.

Uma semana após o acidente, chegou à praia o surfista Jeff White, 22. Acompanhado da namorada, também surfista, ele observou um ambiente pesado, que foi se dissipando ao longo das semanas subsequentes.

"Planejamos essa viagem por muito tempo e esperávamos uma grande festa, mas o clima estava muito ruim. Senti que muita gente simplesmente não quis se aventurar nas manobras. Todos pareciam muito tristes", afirmou o britânico.

O chamado "Canhão da Nazaré" já foi palco de outros acidentes graves, sendo alguns deles com surfistas brasileiros, incluindo Maya Gabeira e Pedro Scooby.

Por causa da potência das ondas, o município dispõe de um plano especial de segurança, que condiciona a distribuição de equipamentos e de recursos humanos à classificação das condições de risco do mar.

No nível verde, para situações de ondas de até 5 metros, não há nenhum dispositivo especial acionado. A situação se altera no nível amarelo, com ondulações entre 5 e 10 metros, quando são acionados dois vigilantes e o apoio de um buggy para acompanhar a ação no mar.

Já no nível laranja, com ondas entre 10 e 15 metros, ou no vermelho, com ondulações gigantes que superam os 15 metros, entra em ação o aparato de segurança completo, que inclui também bombeiros, salva-vidas, trator e equipe médica.

No dia do acidente, as ondas na Praia do Norte estavam com cerca de 6 metros, consideradas "pequenas" perto das grandes ondulações que marcam o inverno na região.

O fotógrafo australiano Peter "Joli" Wilson acompanhava, registrando da areia, as ondas daquela tarde. Ele descreveu o acidente como uma fatalidade -visão compartilhada pelos surfistas que têm frequentado o local em clima de normalidade.

"Tenho fotos da onda [do acidente], e era bastante bonita. Já estávamos no final da tarde, e, do meu ponto de vista enquanto fotógrafo, a luz estava muito bonita, já começava a ganhar aquele tom dourado. Não era uma onda zangada, era bonita de se ver. Basicamente, ele foi apanhado pela espuma no final da onda. As condições estavam bastante serenas e bonitas, não era um swell que parecesse perigoso ou feio", afirmou, em entrevista ao jornal português Expresso.

Márcio Freire estava acostumado a enfrentar dimensões muito maiores. Natural da Bahia, apaixonou-se pelo mar ainda na infância e colecionou aventuras em ondas do mundo todo.

Um dos pioneiros das ondas gigantes, começou a chamar a atenção no esporte surfando em Maui, no Havai, aonde chegou em 1998. Ao enfrentar a temida onda Jaws sem auxílio de jetski ou equipamentos de segurança, atraiu fãs e conquistou boa reputação mesmo entre a fechada comunidade de surfistas locais. Por sua performance, recebeu, juntamente com os também baianos Danilo Couto e Yuri Soledade, o apelido de "mad dog" (cachorro louco).

O trio teve sua trajetória contada no documentário "Mad Dogs", de 2016. Desde o acidente com Márcio, a produção está em alta na Garage, plataforma de exibição de conteúdos de aventura e de esportes radicais.

Apesar do reconhecimento entre os pares, Freire sempre afirmou que quase nunca ganhou dinheiro com o surfe e que trabalhou em diversas outras atividades para se patrocinar. Uma das raras exceções de lucro com o esporte, segundo ele, foi justamente o documentário.

Em 2015, o "mad dog" foi notícia por ter escapado ileso após ter caído enquanto surfava sua velha conhecida Jaws. Registrado em vídeo, o tombo espetacular acabou indicado à categoria "Best Wipeout" em um prêmio da WSL (Liga Mundial de Surfe).

Um dos diretores da Big Wave Assessment Group, organização que oferece capacitação em segurança no universo das ondas gigantes, Zachary DiIonno afirma que, apesar da grande evolução nos equipamentos de segurança para a modalidade, é importante que os surfistas realizem treinamento específico andes de começar a enfrentar os paredões de água.

"De uma forma geral, não existem requisitos legais para surfar ondas gigantes. Seja no Havaí, na Califórnia ou no Brasil, normalmente qualquer um pode chegar e surfar", explica.

Segundo ele, embora em alguns lugares a comunidade de surfistas consiga se autorregular, evitando a prática de pessoas menos aptas, é sempre essencial que os atletas estejam conscientes dos requisitos de segurança e das manobras de resgate.

"Uma pessoa com um treinamento de segurança, em caso de uma emergência, é um trunfo enorme", afirma DiIonno, destacando que os surfistas podem agir decisivamente nos resgates, sobretudo identificando casos em que os companheiros não voltam rapidamente para a superfície. Outra atuação essencial é nas manobras de ressuscitação e de massagem cardíaca.

Elas não foram suficientes para Freire.

Redes sociais - Márcio Freire, surfista brasileiro de 47 anos que morreu em Portugal

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