SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Diante da perspectiva de recorde de casos de racismo envolvendo jogadores brasileiros, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) tomou decisão inédita entre as principais federações nacionais. A entidade incluiu no regulamento de suas competições a possibilidade da perda de pontos para os clubes envolvidos em episódios de preconceito.
Não há precedente do tipo nos principais torneios de clubes da Europa. Na prática, Inglaterra, Espanha, Alemanha e Itália dão preferência a multas.
Os torcedores identificados em ofensas podem ser banidos dos estádios por vários anos. Há a possibilidade de o estádio da equipe ser fechado de maneira parcial ou total por algumas rodadas.
Perda de pontos é algo inédito.
"A decisão é importante demais porque, no momento em que há aumento de denúncias, a gente precisa que as entidades lutem para combater o racismo", disse Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol.
A cada ano, a ONG produz um relatório com todos os casos de preconceito registrados no futebol brasileiro ou sofrido por atletas do país no exterior. O documento referente a 2022 ainda não está pronto, mas Carvalho afirma que o número deverá ser o mais alto desde a criação do Observatório. Foram registrados mais de 90 incidentes.
"A CBF tem a prerrogativa de determinar o seu Regulamento Geral das Competições. Todas as penas serão de forma administrativa e submetidas ao STJD [Superior Tribunal de Justiça Desportiva] para que possam ser confirmadas ou não. Em qualquer caso de racismo ou discriminação, a súmula da partida será encaminhada ao Ministério Público e à Polícia Civil para que possa haver consequência para os infratores", afirmou o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.
O Regulamento Geral das Competições é o documento que dá as diretrizes de todos os torneios disputados no país. A nova medida entra em vigor no final deste mês, com o início da Copa do Brasil. A perda de pontos é o último estágio de punição esportiva. Antes há multa, suspensão e perda de mando de campo.
"No Conselho Técnico ficou definido que a primeira punição será uma multa pecuniária. Apenas em caso de reincidência o clube deverá perder pontos na competição. Há uma ressalva. Quando a punição for de perda de pontos, a efetiva aplicação da sanção será obrigatoriamente analisada pelo STJD, que decidirá se a perda de pontos será aplicada ao clube em questão", explicou Rodrigo Marrubia, advogado especializado em direito desportivo.
Multa, suspensão, fechamento de estádio e perda de mandos são as punições padrão no futebol europeu, o que já causou reclamação de atletas. O atacante Raheem Sterling, do Chelsea e da seleção inglesa, pediu que clubes que tenham torcedores com comportamentos racistas percam nove pontos na tabela da Premier League.
A entidade que comanda a elite no país e a federação nacional têm preferido aplicar multas e, principalmente, identificar os culpados, que são processados criminalmente e proibidos de entrar em estádios.
Em janeiro do ano passado, o governo do Reino Unido determinou que qualquer um ligado a atos racistas, em estádios ou em redes sociais, será proibido de ir a jogos na Inglaterra e em País de Gales por dez anos.
Na temporada 2021/22, a ONG Kick it Out, que combate preconceito no futebol, registrou 329 casos de racismo online ou presenciais na Inglaterra.
Em competições europeias, o protocolo determina, durante as partidas, avisos pelo sistema de som do estádio, paralisação da partida e, por fim, o encerramento precoce. Nem todos concordam com a última medida, a mais radical.
"O melhor é derrotar o time deles e vencer em campo", opinou o próprio Sterling.
Não é posição unânime. Treinadores de renome, como Jürgen Klopp (Liverpool-ING) e Maurizio Sarri (Lazio-ITA), já defenderam o cancelamento dos jogos em caso de racismo.
Na Espanha, já há quatro denúncias de racismo na atual temporada. É o maior número desde que os dados começaram a ser contabilizados, em 2015.
"Temos de reconhecer que nos últimos meses houve um aumento no número de incidentes de violência e racismo. Não creio que exista um problema maior agora, mas, sim, estamos mais comprometidos. Estamos neste trabalho desde 2015 porque nos preocupa muito", disse ao diário espanhol AS a responsável por igualdade na Federação Espanhola, Elvira Andrés.
A vítima preferencial tem sido o brasileiro Vinicius Junior, do Real Madrid. Ele foi chamado de "macaco" em um jogo contra o Osasuna. Antes de partida diante do Atlético de Madrid, um boneco que o representava apareceu como se tivesse enforcado.
"Os racistas continuam indo aos estádios e assistindo ao maior clube de mundo de perto, e LaLiga segue sem fazer nada. Continuarei de cabeça erguida e comemorando minhas minhas vitória e do Madrid. No final a culpa é MINHA", escreveu o atleta no Twitter.
Consultado pela Folha, LaLiga afirma que não vai se pronunciar sobre o assunto, mas que já fez denúncias dos casos às autoridades do país.
O governo do país determina que os árbitros relatem todo tipo de ofensa ou incidentes racistas que ocorram nas partidas. A determinação é que, assim como na Uefa, o jogo seja interrompido em caso de episódios de preconceitos. Como última medida, o duelo deve ser suspenso.
São recomendações existentes também na Itália, mas que dificilmente são colocados em prática nas últimas consequências. Mario Balotelli, atacante do Brescia em 2019, chutou a bola contra torcedores da Verona, cansado de ouvir insultos racistas. Ele ameaçou deixar o gramado, mas foi impedido pelos companheiros.
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