SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando o ex-presidente Mario Gobbi (2012-2015) pediu a palavra em reunião do Conselho Deliberativo do Corinthians, em 19 de setembro de 2022, foi para se dirigir ao atual mandatário Duilio Monteiro Alves, a poucos metros de distância. Ambos foram eleitos pela Renovação e Transparência, o movimento político que controla o clube há 16 anos.

"Estou magoado com você. Você está mentindo", acusou Gobbi, tom de voz alterado, insinuando que Duilio planejava o que seria um golpe.

Não houve aliado a se levantar para defender o atual presidente. O único a fazê-lo foi o oposicionista Romeu Tuma Júnior.

Nenhum grupo político está há tanto no poder em um grande clube do país quanto a Renovação e Transparência, grupo criado à esteira da saída de Alberto Dualib do poder, no final de 2007. Movimento que se mantém na presidência apesar das brigas e rachas internos e que se une a cada três anos para eleições por causa do nome que é a cola que mantém o movimento, apesar de tudo, unido: Andrés Sanchez.

"Pode colocar aí. A gente democratizou o Corinthians. Além dos títulos, do estádio, de dois centros de treinamento, ninguém democratizou o Corinthians como a gente fez", afirma Andrés, presidente em 2007-2011 e 2018-2020.

Nesta terça-feira (4), a Renovação deve lançar como candidato ao pleito de final de ano um dos seus fundadores: André Luiz Oliveira. Conhecido no clube como André Negão, ele resistiu a todas as tentativas de que outro nome fosse imposto. Apresentou um simples argumento. É o seu momento. Aliado fiel de Sanchez, ele já queria ter sido o escolhido na eleição do final de 2020, vencida por Duilio.

"É a hora do André", define Andrés.

"Eles criaram uma democracia de conveniência, alicerçada no interesse de meia dúzia. Quando alguém diverge ou ousa questionar essa prática, é expurgado sob os mais indignos adjetivos", reclama Tuma Júnior. "É uma democracia soviética, que só foi contra a reeleição por desconfiança dos próprios fundadores da Renovação, porque havia combinação prévia de que eles mesmos se sucederiam na presidência do clube por décadas, beneficiando seus próprios interesses."

Conselheiros e ex-dirigentes ouvidos pela reportagem têm opiniões divergentes sobre a possibilidade de Duilio usar uma brecha para buscar a reeleição. Ele poderia, na teoria, basear-se em item incluído como disposição transitória na reforma estatutária. Este permitiria, a quem estivesse naquele momento no poder, buscar mais um mandato. Apesar de ser transitório, o trecho não foi retirado do estatuto.

Um documento interno a defender essa tese reuniu a assinatura de dezenas de conselheiros. Andrés fez uma reunião no Parque São Jorge em que questionou as adesões ao projeto que não tinha o envolvimento pessoal de Duilio, mas de aliados. Quase todos retiraram o apoio. Mas dentro do núcleo da Renovação e Transparência, que defende o credo de que reeleições devem ser proibidas, aquilo foi visto como traição.

Rachas, abandonos e reencontros por conveniência não são incomuns no grupo político que controla o Corinthians desde 2007. Hoje em dia, um dos argumentos para o abandono político a Duilio é que, na verdade, ele nem fazia parte da Renovação e Transparência. Era da chapa 22, outra chapa eleitoral. Mas nem mesmo eles conseguem negar que o atual mandatário era o candidato da situação no pleito mais recente e contou com o apoio de Andrés Sanchez,

Na eleição de 2020, Mario Gobbi foi um candidato da oposição. Ele agora apoia André Luiz. Gobbi e Roberto de Andrade foram para a presidência, em grande parte, tendo Andrés como fiador. Ele depois se sentiu traído por ambos, o que provocou rompimento --interrompido nos meses anteriores a cada pleito.

O argumento de defensores de Duilio é que ele passou os três últimos anos pagando contas e estabilizando a dívida do clube, hoje em R$ 930 milhões. Este seria o motivo para o time em campo não conquistar títulos. O último foi o Paulista de 2019. Ele mereceria, então, a chance de, com a casa arrumada, ter um novo mandato para ser campeão.

Para a Renovação e Transparência e, principalmente, Andrés, este número é uma fantasia. Inclui débitos com o governo, que já estão parcelados. A dívida real seria, então, de cerca de R$ 400 milhões. A questão do estádio, após o perdão da Odebrecht e o acordo com a Caixa, também estaria resolvida.

Eles formam o grupo político que mudou a história do Corinthians. Em campo, foram cinco Paulistas, uma Copa do Brasil, três Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial. Foi o período em que a agremiação conseguiu ter seu estádio, um centro de treinamento para o profissional e outro para a base. O clube revolucionou o mercado interno do país ao conseguir a contratação de Ronaldo Fenômeno no fim de 2008.

Durante a Copa América de 2011, na Argentina, Sanchez afirma ter ido à concentração da seleção brasileira em Los Cardales, nos arredores de Buenos Aires, com uma carta de crédito de R$ 130 milhões emitida pelo BMG. Ele queria convencer Neymar a jogar pelo Corinthians. O valor seria referente à multa rescisória do atacante, que, no entanto, havia assinado contrato na semana anterior com o Barcelona.

Quase todos os que desafiaram o poder da Renovação nas urnas perderam. Paulo Garcia venceu ação judicial apontando que a eleição de 2018 foi irregular, mas, na hora de assinar o termo de execução da sentença, recusou-se. Teria de haver uma nova votação. Sob a pressão de seus aliados já eleitos para o Conselho Deliberativo, recuou e deixou como estava. Augusto Melo, segundo colocado em 2020, deverá ser o nome da oposição neste ano.

Ainda há possibilidade de uma terceira via. Paulo Garcia, apesar de ter detectado o que considera fragilidade e desgaste inéditos da Renovação, ainda não sabe se vai apresentar candidatura.

"Tem hora em que eu fico pensando: 'P... que pariu, esse Augusto podia ganhar mesmo, já tirava o meu da reta, e ninguém ia falar que eu mando no Corinthians", disse Andrés ao Canal Coringão, no YouTube.

Há entre os oposicionistas quem considere que isso seja bravata e que, no final de tudo, Sanchez será o candidato da Renovação para manter o movimento no poder por mais três anos. Ao deixar o cargo, no fim de 2020, ele jurou, em entrevista à Folha de S.Paulo, que não seria mais presidente do Corinthians.

"Não sou [candidato]. Não serei eu", sustenta hoje em dia.

Apesar da pressão de outras pessoas, Andrés assegura à reportagem que, para a Renovação e Transparência, não há espaço para reeleição nem para a volta de quem já se candidatou no passado.

"É a vez do André", jura.


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