Aos 13 anos, Wesley Matos já encarava os campos da várzea de Piraúba como quem via o futuro pela frente. Enquanto ajudava o pai na padaria da família, na pequena cidade da Zona da Mata mineira, alimentava o sonho de viver do futebol, um sonho que só virou realidade aos 22, quando assinou seu primeiro contrato profissional. Três anos depois, o menino da padaria levantaria o primeiro troféu da Série D da carreira e começaria a escrever uma das histórias mais inspiradoras do futebol brasileiro.

“Eu estudava de manhã, trabalhava na padaria à tarde e treinava depois do expediente, para que eu pudesse estar bem no fim de semana para jogar os campeonatos amadores. Era assim minha vida”, relembra.

O início e a fé 

Desde pequeno, Wesley acompanhava o pai, treinador de times amadores, e os irmãos, que também jogavam futebol. O mais velho, Willian, foi sua primeira inspiração e o motivo de ele escolher a zaga. “Meu pai sempre acompanhava a gente em todos os lugares, e o Willian, por ser mais velho, já jogava amador. Eu era novinho, ia assistir e pensava: ‘Quero ser igual a ele’”, conta.

A família sempre foi o ponto de apoio. “Deus me deu a oportunidade de realizar o sonho da minha família toda. O Willian é meu parceiro, meu amigo. Depois da minha esposa, é o meu maior torcedor”, diz com carinho.

FOTO: Arquivo pessoal - Wesley com o irmão Willian e as filhas.

As peneiras vieram, Cruzeiro, América, Fluminense, Boavista, e, com elas, também as frustrações. “Fiz vários testes, mas era difícil naquela época. Mesmo assim, continuei. Deus tinha algo reservado pra mim”.

E tinha mesmo. Em 2008, jogando um campeonato amador, Wesley marcou um gol que mudaria o rumo de sua vida. O então presidente do Tupi, Áureo Fortuna, estava na arquibancada e o convidou para um período de avaliação em Juiz de Fora. Em 2009, assinava seu primeiro contrato profissional.

“O Tupi foi o clube que abriu as portas pra mim e onde comecei a minha carreira”.

Tupi e o primeiro título nacional

A adaptação ao futebol profissional foi desafiadora. “Tinha muita diferença do amador para o profissional. Eu tinha impulsão e velocidade, mas faltava leitura de jogo. Fui aprendendo com os jogadores mais experientes como o João Júnior, o Ademilson, o Fabrício Soares, o Léo Salino e o Henrique”, recorda.

Em 2011, veio o primeiro grande capítulo: campeão brasileiro da Série D com o Tupi. Um ano antes, Wesley havia pensado em desistir. “Liguei pra minha esposa, Mara, e disse: ‘Acho que não é pra mim’. E ela respondeu: ‘Continua. Deus vai honrar’. E Ele honrou”.

Sob o comando de Ricardo Drubscky, o zagueiro se firmou. “Fiz um gol de voleio na virada contra o Volta Redonda nas oitavas de final. Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Sou eternamente grato ao Tupi”.

FOTO: Arquivo pessoal - Com o Tupi, Wesley conquistou seu primeiro título de campeão brasileiro da Série D

No ano seguinte, em 2012, o Galo Carijó fez uma grande campanha no campeonato estadual, onde conquistou o título de campeão mineiro do interior. Mas o que tinha tudo para ser um ano mágico acabou em frustração. “A gente foi pra Série C com muita expectativa, mas aí veio a decepção: A queda pra Série D no mesmo ano. A gente sobe em 2011 e cai em 2012. Foi uma tristeza. Pensei comigo 'caramba, logo agora que comecei a jogar', antes ninguém me conhecia”.

Nesse mesmo ano vieram as primeiras turbulências da carreira. Wesley começou a lidar com atrasos salariais, incertezas e a pressão de se manter firme em meio às dificuldades que o futebol impõe. Ainda assim, a fé e a persistência o fizeram seguir.

Em 2013, o zagueiro embarcou em uma nova jornada, vestindo a camisa do Mogi Mirim. E novamente brilhou. “Fizemos uma baita campanha no Paulistão, saindo para o Santos do Neymar na semifinal e depois, na Série C, ficamos muito perto do acesso, perdendo no jogo decisivo pro Betim”.

O bom desempenho chamou atenção e abriu novas portas. Em 2014, Wesley foi para o futebol gaúcho, onde defendeu o Esportivo-RS e lá sofreu a primeira lesão grave na carreira: Uma fratura no platô tibial. “Fiquei na dúvida se voltaria a jogar. Estava com 28 anos, e a incerteza me rondava”.

Ele voltou. E mais forte.

A volta por cima: Superação e o bicampeonato

A volta por cima veio no América-MG, em 2015, onde o zagueiro viveu uma temporada de redenção fazendo quatro gols, um deles no jogo que selou o acesso à Série A. “Foi o ano da minha vida. Deus me abençoou tanto naquele ano que minha carreira decolou”.

Depois, vieram Goiás e o título estadual de 2016. No ano seguinte, o destino o levou ao rival, o Vila Nova, onde construiu uma relação de amor.

“Muita gente duvidou, mas eu disse pra minha esposa: ‘Não vão deixar de falar de mim sem que eu mostre meu valor’. Fizemos uma Série B incrível, fomos vice-campeões goianos e ficamos a três pontos da Série A”.

O vínculo com o clube se tornou afetivo. “Minha filha, Lara, nasceu lá e desde bebê já cantava o hino do Vila. Foram mais de 100 jogos, mais de 10 gols. É um clube que amo e levo no coração”.

Mas o futebol, assim como a vida, machuca. Em 2019, o rebaixamento do Vila Nova para a Série C doeu mais do que qualquer lesão. “Foi o momento mais triste da minha carreira. Era o clube onde eu mais me sentia em casa”.

Em 2020, Wesley foi campeão paraense com o Paysandu. No ano seguinte, veio mais uma página dourada: o título brasileiro da Série D pela Aparecidense. “Ser bicampeão brasileiro foi uma confirmação de tudo. Um prêmio por nunca desistir”.

FOTO: Arquivo pessoal - Wesley comemora o título de campeão brasileiro da Série D com a Aparecidense

A história seguiu no clube goiano, onde em 2022 o zagueiro viveu mais uma grande campanha. “Fomos semifinalistas do Goianão e brigamos forte para subir na Série C, mas acabamos perdendo o acesso para o Mirassol. Mesmo assim, foi uma campanha espetacular”.

Mas, quando parecia que tudo estava encaminhado, veio mais uma prova. “Eu quebro o platô tibial pela segunda vez na carreira. Mais uma lesão grave. Aí vem tudo à tona de novo 'Será que vou continuar? Será que vou conseguir?'”, relembra.

Wesley se recuperou no início de 2023, mas a Aparecidense já não acreditava que ele voltaria a atuar em alto nível. Foi então que o Botafogo da Paraíba acreditou no seu potencial e o convidou para vestir a camisa alvinegra. “Sempre tive o sonho de jogar no Nordeste, e o Botafogo me deu essa chance. Fizemos uma excelente campanha na Série C, por pouco não subimos pra Série B".

Resiliência em azul e branco

Em 2024, Wesley assina com o Barra-SC. Logo na primeira temporada, o zagueiro, de 38 anos, se tornou peça fundamental na campanha histórica do clube no Campeonato Catarinense, quando o time chegou até a semifinal, sendo eliminado pelo Criciúma, então na Série A, apenas nos pênaltis e Wesley ainda deixou sua marca com gols nos dois confrontos, tanto no jogo de ida quanto no de volta.

Mas a vida de atleta voltaria a testar sua fé. Durante um treino, em uma simples mudança de direção, ele rompe o ligamento cruzando anterior (LCA). “É a pior lesão que um atleta pode ter e eu não sabia como voltaria".

Wesley se recuperou, sem nenhuma limitação. “Só a intensidade que já não era mais a mesma, mas voltei com as mesmas desenvolturas, leitura de jogo, essas coisas todas", contou.

Faltando uma semana para reestrear, a vida voltaria a testá-lo. “Num salto de cabeceio, quando aterrizei, a perna deu uma hiperextensão e rompi um pedaço do menisco. Sozinho, de novo. Aí veio mais uma cirurgia, mais dois meses parado. Foi um desgaste mental, emocional e físico muito grande”, confessa.

Mesmo diante de tudo, Wesley carrega no coração somente a gratidão profunda pelo clube que o apoiou até o fim. “O Barra foi o único clube que me deu todo o respaldo durante a cirurgia, cuidou de mim o tempo todo, não deixou faltar nada pra mim nem pra minha família. Arcou com todos os custos. É um clube diferente dos outros, que deve ser olhado com muito carinho no nosso futebol”, destaca.

Tri-campeonato: O último capítulo

Em 2025, Wesley viveu o encerramento perfeito de uma trajetória marcada por fé e superação. O zagueiro foi peça importante na campanha que coroou o Barra como campeão brasileiro da Série D, garantindo o acesso à Série C e uma vaga direta na 3ª fase da Copa do Brasil.

“Hoje eu sou o único jogador tricampeão brasileiro da Série D e isso, pra quem veio do futebol amador, é um marco incrível. Ainda mais nesse mundo sujo que é o futebol fora das quatro linhas”, afirma, com a voz de quem reconhece o próprio caminho.

A decisão de parar, segundo ele, foi amadurecida em família. “Eu vi que era o momento de parar. Conversei com a minha família, assimilamos isso juntos. Não é uma decisão fácil, mas foi o melhor para todos nós”, recorda.

FOTO: Arquivo pessoal - Wesley posa com o troféu de Campeão Brasileiro da Série D ao lado da esposa, Mara, e da filha, Lara.

O lado sombrio do futebol

Nem tudo foi brilho e conquista na trajetória de Wesley. Entre os maiores desafios, ele carrega as marcas de um sistema que, segundo ele, nem sempre joga limpo com quem está em campo. “Em 2015 com o América, após o acesso, minha carreira decolou. Só que aí veio a parte suja do futebol, né? Que pouca gente sabe do que acontece fora das quatro linhas. E se chama empresários”, contou.

Com a maturidade de quem viveu altos e baixos, ele reconheceu que a escolha de sair do clube mineiro foi um divisor de águas. “Claro que a última decisão sempre foi minha, só que eu não tinha a cabeça na época que eu tenho hoje, né? A leitura de estratégia de carreira, gestão de carreira, que era pra ser feita por partes, pelos empresários. Hoje eu teria continuado no América, jogado a Série A, que era meu sonho”.

Com o tempo, o zagueiro também passou a refletir sobre o extracampo, o lado menos visível do esporte, onde o jogador nem sempre tem voz. “É muito difícil para um atleta poder falar, você vê, quase nenhum fala. Porque o atleta não tem força, infelizmente, e quando o atleta fala, ele é punido. Então, é complicado”.

Para ele, o futebol perdeu parte do encanto que o fazia mágico. “Se as pessoas investigarem mesmo a fundo, vão entender que futebol era pra ser a melhor profissão do planeta. Só que, infelizmente, tem pessoas que só visam o lado financeiro, e hoje você vê o esporte cada vez mais frio, com menos sentimento, menos paixão pelo clube, menos prazer em jogar”.

Mesmo assim, Wesley acredita que há esperança e que a próxima geração precisa ser cuidada com atenção. “Temos que cuidar muito da nossa nova geração, que a rede social vem muito pesada, muito forte. É difícil falar... Mas isso aí, mais pra frente, dá pra poder falar. Agora, ainda é meio complicado. Você me perdoa, mas não dá pra ir muito a fundo, não”.

O amor que nasceu na padaria e superou as adversidades

Foi atrás do balcão da padaria da família, em Piraúba, que Wesley conheceu Mara, a mulher que se tornaria o grande amor e companheira de toda a vida. Ela foi até o local para comprar um lanche, e ele logo se encantou. “Ali começou tudo. Fui na casa dela pedir pro pai se eu podia namorar com ela”, relembra.

Desde então, os dois caminham lado a lado. “Casamos num dia e, no outro, já estávamos em Juiz de Fora pra pré-temporada com o Tupi, não tive nem lua de mel”, conta ele, com orgulho.

Em 2017, o amor se multiplicou com a chegada de Lara, a filha do casal “Uma bênção na nossa vida”, como define Wesley.

Mara acompanhou o marido em cada vitória, derrota e recomeço, sendo o porto seguro por trás do atleta. “Tudo o que conquistei foi com ela ao meu lado. A família é o pilar de tudo. Um atleta é vitorioso quando ele tem um lar abençoado. Isso é fato”, resume.

A despedida e o futuro

No dia 6 de outubro, Wesley anunciou oficialmente a aposentadoria em uma publicação feita pela esposa nas redes sociais e compartilhada por ele.

No texto, ela agradeceu pelos anos de entrega, pelas renúncias e pela história construída juntos. “Orgulho define. Você venceu, meu amor. Venceu no campo, mas principalmente fora dele. Foi exemplo de fé, caráter e humildade. Agora é hora de viver o novo de Deus pra nós”, escreveu.

Hoje, o garoto que sonhava em ser como o irmão, e que teve na família a base de todas as conquistas, pode, enfim, pendurar as chuteiras. Mas, ao contrário do que muitos pensam, Wesley não enxerga o fim da carreira como um ponto final, e sim como um novo começo. “Eu deixei bem nas mãos do Senhor. Seja feita a vontade dEle, se vai ser ainda no futebol ou fora dEle, ainda não decidi. Está nas mãos do Senhor. Em breve, vamos ver o que Ele tem pra nós”.

Mais do que planejar o futuro profissional, Wesley quer agora viver o que ficou em segundo plano durante os anos de bola. “A carreira do atleta é muito desgastante, muito tempo longe da família. Você perde muita coisa e momentos que não voltam mais. Agora, a prioridade é elas. Minha esposa largou a vida dela pra viver a minha, e acho que chegou a hora de eu dar um pouco desse retorno. Quero ter tempo de qualidade com elas, me desligar um pouco do futebol e decidir junto com ela o nosso futuro".

Dono de uma trajetória marcada por fé, humildade e amor, Wesley é o exemplo de que os sonhos não têm prazo de validade.

Tags:
D | De | Matos | série D | Wesley

Arquivo pessoal - Wesley Matos

COMENTÁRIOS: