SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mariana Becker passou quase duas décadas levando o público brasileiro para dentro dos boxes, dos paddocks e para perto dos pilotos da Fórmula 1. Agora, às vésperas do fim do contrato que dava à Band os direitos de transmissão da categoria (e também do seu contrato de trabalho com a emissora, no final de dezembro), a jornalista resolveu desacelerar.

Aos 52 anos, ela se prepara para iniciar uma nova fase na sua vida profissional e pessoal, e diz que o encerramento das transmissões pelo canal não a surpreendeu. "No ano passado isso quase aconteceu, então já sabia que podia rolar agora", diz ao F5.

Por isso, ela conta que recebeu a confirmação com serenidade, embora tenha sentido o peso de fechar um ciclo marcante. "Eu só ficaria mal se tivesse a sensação de que podia ter feito mais. A gente fez tudo que poderia ter sido feito", afirma.

Becker espera continuar próxima do automobilismo, desde que consiga atuar com o mesmo olhar que guiou sua cobertura ao longo dos anos. Segundo ela, esse olhar é a recusa em tratar a Fórmula 1 apenas de forma técnica.

Para a repórter, a categoria ganha ainda mais sentido quando revela as lutas, medos e alívios de quem conduz os carros ou faz parte dessas histórias. "Eu tinha que entender o que significava aquela tristeza ou aquela alegria para depois passar isso para quem está em casa".

Se isso não ocorrer, pretende abrir espaço para outras frentes em assuntos que também a interessam. Um deles envolve turismo e cultura, buscando fugir do óbvio. "Tem coisas que acontecem em comum em vários lugares. Quero ver como essas coisas são feitas em lugares diferentes." Ela evita detalhar o formato porque ainda parte de um projeto em desenvolvimento.

O outro plano é um canal de entrevistas. "É uma das coisas que mais gosto de fazer. Rende muito", afirma. "A ideia é fazer autônomo, mas para um canal de televisão e para redes sociais também", diz.

Certo mesmo é o lançamento de seu segundo livro de crônicas, já finalizado e aguardando revisão. Ela escreveu durante as viagens a trabalho e diz que agora terá mais tempo --escasso durante a rotina agitada de tantos anos--, para organizar e entregar à editora. A previsão é publicar a obra em 2026.

Mariana garante que essa mudança não é sua aposentadoria, mas não nega que a nova fase abre espaço para que busque mais qualidade de vida. Sem tanta correria, com menos voos, fusos e fins de semana a trabalho. "Se eu não tiver pausas com natureza de tempos em tempos, eu explodo. Vou diminuindo na minha capacidade de ser feliz", diz.

Ela pensa a longo prazo também: quer morar em um sítio. A jornalista diz ter a vontade de viver cercada de animais, relaxada, longe do fuzuê das grandes metrópoles. "Eu me vejo, quando ficar mais velha, morando num lugar no mato, perto de bicho. Pode ser que eu vire uma véia dessas que fica enfurnada com os bichos", afirma, rindo.

Nessa transição, Mariana também observa o impacto das transformações no próprio esporte. Quando entrou no autobolismo havia poucas mulheres no paddock e encontrou um ambiente marcado por uma tradição masculina.

Hoje, nota um avanço significativo, embora ainda distante do ideal. Ela cita estrategistas, engenheiras e mecânicas que ocupam espaços antes restritos. "É muito bom ver mais mulheres ali. Sempre achei estranho um ambiente onde só tem um gênero. É saudável ter essa troca", afirma.

O crescimento da participação feminina entre torcedoras também chama sua atenção. A jornalista conta que recebe mensagens de meninas jovens que começaram a acompanhar as corridas e de mulheres mais velhas que sempre gostaram do esporte e finalmente encontraram espaço para conversar sobre o tema.

Para ela, a popularização da categoria por meio das redes, do sucesso do documentário "F1: Dirigir Para Viver", de vídeos produzidos por criadores de conteúdo e dos videogames abriu portas para novos públicos.

Mariana aponta que a cobertura deixou de estar restrita às emissoras tradicionais e se expandiu para perfis independentes, com estilos variados. "Hoje tem gente que comenta guiando, tem quem fale só de telemetria, tem quem fale só de fofoca. Virou uma diversificação grande, e tudo isso tem valor", diz.

Mas essa onda ainda convive com velhas resistências, como os "testes de conhecimento" para as fãs mulheres, como se elas não pudessem gostar ou entender da prática apenas por seu gênero ou apenas se interessassem por achar os pilotos bonitos. "As pessoas têm direito de gostar do esporte pelo motivo que quiserem. Não tem sentido testar uma mulher para ver se ela sabe mesmo", diz.

Essa nova geração, segundo Mariana, se sente mais acolhida por ver mulheres na linha de frente da cobertura. Ela diz que nunca se viu como responsável por essa mudança, mas reconhece o papel de quem fala em rede nacional. "Acho que ajudo a deixar o ambiente menos hostil para quem não se sentia à vontade de dizer que gosta de Fórmula 1".