SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O fornecedor do medicamento Mounjaro indicado pelo médico Eduardo Rauen, do São Paulo, a atletas do próprio clube é uma pessoa física sem autorização da Anvisa para comercializá-lo. A reportagem localizou o fornecedor, simulou uma compra e encontrou vários indícios de contrabando ou descaminho.
A reportagem obteve o contato do fornecedor, múltiplas confirmações da indicação aos jogadores e entrou em contato. Cotou o medicamento e recebeu o preço: R$ 5.599 no Pix, muito superior ao preço encontrado nas farmácias. O remédio era importado, o que não é permitido pela Anvisa.
A reportagem chegou a realizar uma encomenda e ouviu que o motoboy estaria aguardando: em nenhum momento houve pedido ou qualquer menção a receita médica. A entrega seria imediata.
Ao longo da conversa, o vendedor chegou a dizer que fornecia o medicamento também a diretores do São Paulo e a filha de um diretor.
Quando foi avisado de que, na verdade, conversava com um jornalista, mudou o discurso, passando a dizer que as informações dadas até então eram falsas e que sabia desde o início que estava sendo vítima de armação.
Alegou que não comercializava o Mounjaro e apenas tinha trazido algumas canetas do exterior como favor a um amigo.
Diante da nova versão, a reportagem investigou e conseguiu localizar o receptor dos pagamentos feitos no São Paulo. Embora tenha sido apresentado aos atletas com o nome "Allan Mounjaro", o receptor é um homem de 51 anos chamado Altemir Bernardes.
Mensagens enviadas por Bernardes a atletas falavam em "promoção" e "últimas unidades". Ele tinha até um vídeo promocional com dosagens e tempo de duração das canetas.
Questionada sobre a autorização de Bernardes para comercialização do Mounjaro importado, a Anvisa respondeu que "qualquer forma de comércio de medicamentos por pessoas físicas está irregular. No Brasil, medicamentos só podem ser vendidos em farmácias ou drogarias regularizadas na vigilância sanitária. Portanto, qualquer medicamento comprado fora de farmácia está irregular e não possui garantias de qualidade, composição e condições de conservação".
Procurado pela reportagem, Rauen enviou um comunicado. "Minha atuação se limita à avaliação clínica, diagnóstico e tratamento. Já me manifestei publicamente acerca do medicamento Mounjaro, com o objetivo de informar e esclarecer a situação clínica e a natureza estritamente médica da indicação. Demais informações de cunho médico somente podem ser prestadas dentro dos limites éticos e legais, respeitando o dever de sigilo profissional."
Já o São Paulo não tinha conhecimento da origem do medicamento e abriu uma apuração interna.
O clube do Morumbi rescindiu a parceria com o médico neste terça-feira -ela incluía todo o departamento do Tecfut, no CT da Barra Funda, com equipamentos e uma equipe de outros profissionais de comparecimento semanal.
Na última sexta-feira, Eduardo Rauen, que é nutrólogo, afirmou ao UOL que recomendou o uso ddo remédio com base em estudo clínico e acompanhamento médico individualizado dos atletas. A Kwikpen é uma caneta injetável que contém tirzepatida, princípio ativo desenvolvido pela farmacêutica norte-americana Eli Lilly, inicialmente voltado ao tratamento do diabetes tipo 2.
Mais recentemente, o medicamento também passou a ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento de obesidade e sobrepeso, desde que haja prescrição médica e indicação formal.
INCÔMODO CHEGOU NA COMISSÃO TÉCNICA
Na última sexta-feira (12), após repercussão de reportagem publicada pelo UOL, o São Paulo publicou uma nota oficial na qual confirma a aplicação de Mounjaro a dois atletas do elenco profissional, mas esclareceu que a prescrição foi feita de forma "individualizada" e "criteriosa".
Fontes ligadas ao futebol e ouvidas pela reportagem afirmam que a situação do Mounjaro chegou ao conhecimento do técnico Hernán Crespo em outubro, e gerou desconforto. Em uma conversa com Crespo, Rauen se responsabilizou pela prescrição.
Integrantes do departamento médico e profissionais que trabalharam ao lado do treinador relataram que a decisão de prescrever o medicamento a dois jogadores foi tomada sem ampla comunicação aos demais setores de saúde do clube, o que teria causado tensão entre os membros da equipe e gerado discordância sobre os protocolos.