A Volta Internacional da Pampulha teve um sotaque brasileiro no degrau mais alto do pódio. No último dia 7 de dezembro, a mineira Amanda Oliveira escreveu um dos capítulos mais emblemáticos do atletismo nacional ao vencer a tradicional prova de 18.650km em 1h07m05s, um pace médio de 3m43s, encerrando um tabu de 11 anos sem vitórias de brasileiras na competição. A última campeã do país havia sido Joziane Cardoso, em 2014. Em 2020, a prova não foi realizada em razão da pandemia da Covid-19.
A conquista não foi apenas um título. Foi a consagração de uma trajetória construída com disciplina, sacrifício e constância desde a adolescência, no interior de Minas Gerais. “Foi linda, emocionante e histórica. Eu me dediquei, treinei duro e sabia que estava pronta para fazer a minha melhor prova na Pampulha”, afirma a atleta.
O começo aos 13 anos e o talento que chamou atenção
A história de Amanda com a corrida começou aos 13 anos, em Mercês, sua cidade natal. Convidada por um policial conhecido da família, Simplício, para participar de uma corrida escolar, ela alinhou pela primeira vez sem imaginar o que viria pela frente. Até então, o esporte fazia parte da rotina de forma espontânea, futsal, vôlei, dança e brincadeiras de rua. “Eu sempre fui muito ativa. Brincava muito na rua, corria bastante. Antes da corrida, eu jogava futsal, dançava, fazia de tudo um pouco”, relembra.
A prova tinha três quilômetros, com categorias entre 13 e 15 anos. Amanda venceu não apenas entre as meninas, mas também superou os meninos. “Ganhar logo na primeira corrida foi uma surpresa para todo mundo. Ali eu vi que tinha talento e me apaixonei pela corrida.”
Das ruas às provas de fundo
Sem acesso à pista no início da carreira, Amanda foi direto para as provas "mais longas", disputando corridas de 3km, 5km e, mais tarde, 10km. O salto decisivo veio aos 17 anos, quando recebeu uma proposta de bolsa atleta e se mudou para Juiz de Fora.
A rotina era pesada. “Eu trabalhava, treinava e estudava. Saía de casa às seis da manhã e só voltava às onze da noite. Não foi fácil, mas sempre com disciplina”, conta.
Foi nesse período que se federou, passou a competir no ranking nacional e iniciou oficialmente sua trajetória nas provas de 5.000m e 10.000m, já como atleta de fundo. Sob orientação da treinadora Azir Leme, no Granbery, sua evolução foi rápida.
Seleções brasileiras e consolidação na elite
Os resultados abriram portas. Amanda se tornou bicampeã brasileira Sub-23, passou a largar na elite das principais provas do país e conquistou títulos importantes no cross-country, modalidade que lhe rendeu a primeira convocação para a Seleção Brasileira, em competição no Equador. “Representar o Brasil foi a realização de um sonho. Aquilo mudou minha visão de tudo”, afirma.
Desde então, vestir a camisa da Seleção se tornou rotina. A atleta soma convocações quase ininterruptas desde 2019, representando o Brasil em sete países diferentes.
Pandemia, treinos solitários e recomeço
Com a pandemia, Amanda voltou para Mercês e passou a treinar sozinha, na roça dos pais. “Muita gente parou. Eu não parei. Continuei treinando, mesmo sem saber o que ia acontecer”, diz.
Com o fim da pandemia, veio um novo ciclo, período de treinos em São Paulo após ser observada por um treinador em competição. A mudança marcou a transição para um projeto mais voltado ao alto rendimento e às distâncias ainda mais longas.
A maratona como novo caminho
Em 2023, Amanda estreou na Maratona do Rio, uma prova de 42.195km, e foi logo a melhor brasileira da prova. A partir dali, a maratona passou a ocupar um espaço especial em sua carreira. Vieram resultados expressivos, campeã pan-americana, recorde do percurso em São Paulo, vice-campeonatos no Rio e marcas pessoais cada vez mais consistentes. “A maratona ganhou meu coração. É uma prova muito dura, mas é uma prova que eu amo correr”, afirma.
Além da estrada, Amanda também brilhou na pista, alcançando sua melhor marca nos 10.000 metros, com 34min09s, outro momento marcante da temporada.
Pampulha: estratégia, mente forte e vitória histórica
Toda essa construção culminou na Volta Internacional da Pampulha. Em um pelotão forte, com três atletas estrangeiras correndo juntas, Amanda precisou usar estratégia e confiança. “Eu estava preparada. Elas tentaram fazer jogo de equipe, mas eu confiei nos meus treinos. No final, falei: Agora é força até o fim”, relata.
Após 18 quilômetros, ainda havia a subida decisiva. “As pernas estavam fortes, mas o mais importante era o mental. Quando a mente está preparada, a gente acredita, e acreditar faz toda a diferença.”
Olhos na São Silvestre e no futuro
Embalada pela vitória histórica, Amanda agora volta suas atenções para a Corrida Internacional de São Silvestre, de 15km, que completa 100 edições. Ela destaca as particularidades do percurso e da época do ano. “A São Silvestre é uma prova muito diferente. Tem um início rápido, viadutos, sobe e desce, e termina com quase dois quilômetros de subida na Brigadeiro. E ela acontece no fim do ano, quando a gente já vem de uma temporada inteira”, analisa.
Desta vez, porém, a preparação foi diferente. “Esse foi o ano mais produtivo da minha carreira. Pela primeira vez consegui fazer um trabalho específico para a São Silvestre. Estou confiante de fazer a melhor prova da minha vida lá”, projeta.
Com mais estrutura, apoio das Forças Armadas (FAB), da equipe Elite Runners e dos patrocinadores, Amanda conseguiu reduzir o número de competições e focar em treinos mais direcionados. “Eu quero brigar lá na frente. Fazer o que eu treinei, dentro do meu ritmo, com coragem e acreditando em mim. Minha maior adversária sou eu mesma”, afirma.
Sonho olímpico e inspiração
O maior sonho segue claro, disputar os Jogos Olímpicos, na maratona. Para 2026, Amanda quer melhorar suas marcas nos 10.000m, na meia maratona e na maratona, além de ampliar o calendário internacional.
Mais do que medalhas, ela valoriza o impacto da própria história. “Inspirar minha família, minha irmã, minha sobrinha, isso é muito especial. Eles são meu porto seguro”, diz.