Eram os deuses astronautas e Pelé
Para quem, como eu, já dobrou o Cabo da Boa Esperança – e, principalmente, o das Tormentas – nunca houve um acontecimento tão fabuloso como a chegada do homem à Lua, há 40 anos. A encenação, a transmissão ao vivo, o alerta dos mais velhos sobre o perigo e a heresia da coisa fizeram de todos nós, terráqueos, cúmplices da aventura. Não deixou de passar pela cabeça de cada menino da Terra o desejo de, quando crescer, virar astronauta.
Esse sentimento, no entanto, não durou muito porque para quem, como eu, que sempre acreditou que a bola é o mundo nunca houve um fato tão extraordinário quanto o milésimo gol de Pelé, marcado há 40 anos. A suposta improbabilidade matemática, de alguém ter chegado às redes adversárias tantas vezes, atiçava a curiosidade dos meninos que queriam, um dia, ser jogador de futebol.
Em Galiléia, naquele distante 1969, entretanto, de verdade, não tínhamos muita ilusão de sermos astronautas ou jogadores de futebol. Tudo era muito distante - mais ou menos a distância entre a Terra e a Lua. Ela, a Lua, quando cheia, refletia no Rio Doce e para nós isso bastava. Eles, os jogadores de futebol já existentes, marcavam os gols para os nossos times e para nós era o suficiente.
De qualquer forma, os astronautas foram, naquele 21 de julho, deuses. Afinal, estavam acima de nós, fazendo coisas que só o Deus único faz e dando provas, deixando pegadas, fincando bandeiras e tudo o mais.
Esse status divino, porém, durou relativamente pouco. Até, grosso modo, quando os três astronautas foram recolhidos, na volta a Terra, por uma prosaica balsa. Não que queríamos que eles ficassem para todo o sempre na Lua, nada disso, mas porque quando voltaram já havia no ar uma outra grande expectativa: quando Pelé faria seu milésimo gol?
Sabíamos, os meninos, que Pelé – que já carregava o título de “Rei do Futebol” – estava aparentemente em desvantagem nessa concorrência pelo fato mais extraordinário da nossa infância. Afinal, quando Neil Armstrong deu aquele passo (“pequeno para um homem mas um enorme salto para a Humanidade”) ele tinha estufado as redes adversárias “apenas” 975 vezes. A impressão geral é de que não daria tempo, não aconteceria antes do fim da década. 25 gols era muita coisa...
Nunca houve uma expectativa tão grande. Os jogos do Santos e da seleção brasileira eram acompanhados com um fervor inigualável. Até os homens de muita fé e pouca confiança na ciência, que duvidavam da aventura lunar, rezavam pela epopéia terrestre.
O gol 1.000 só surgiu em 19 de novembro, 121 dias após o homem ter pisado na Lua. Esse “atraso” não teve nenhuma importância. Para nós da Galiléia, que nos reunimos no coreto para ver pela televisão o pouso lunar e em torno de um aparelho de rádio para ouvir os jogos, não ficou nenhuma dúvida: Pelé era muito mais Deus que os astronautas.
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O Tupi venceu mais uma (1 a 0 no Friburguense, fora de casa) e segue firme em seu destino. Faltam 12 jogos e 96 dias para o Galo ganhar seu primeiro título nacional.
Ailton Alves
é jornalista e cronista esportivo
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