Ailton Alves Ailton Alves 3/11/2009

Nem só de futebol vive o homem

filme referente ao jogo do Galo e UberabaSei que isso interessa absolutamente nada, a ninguém, mas podia contar nos dedos de uma só mão as vezes em que deixei de ver o Tupi jogar aqui em Juiz de Fora. Agora, com a ausência de sábado último, a contagem passou para a outra mão. E pior do que não ter visto foi ficar sem a notícia, sem o fato consumado. Esse papo de que a comunicação hoje em dia é veloz, online, uma aldeia global talvez não seja correto. Em São Paulo, a imprensa, a população – principalmente entre o público da Mostra Internacional de Cinema –, ninguém, ninguém mesmo, se interessa pelos jogos do Galo. Foram necessários dois dias inteiros mais 12 horas e 33 minutos para que lesse, num jornal local empilhado, numa manchete fria, num papel já velho, na segunda dobra: “Tupi fora da Taça Minas”. Nunca saberei realmente o que aconteceu, mesmo que me contem e será, para mim, para todo o sempre, inexplicável.

A Mostra de Cinema não está lá grandes coisas. É consenso que não é boa a safra atual de filmes. Talvez haja escolas de cinema demais mundo afora, e muita gente acha que pode ir lá, estudar um pouquinho, pegar o diploma e desembestar a contar histórias em celulóide. São Paulo, em contrapartida, continua eternamente bem e não é verdade – ao contrário do que me disseram – que há uma paranoia antifumo por lá. A falta da liberdade individual só é sentida nos espaços burgueses (shoppings, restaurantes e bares da moda) mas fuma-se em paz nas calçadas e principalmente – o que interessa – nos botecos da rua Augusta e da Vila Madalena (os redutos das pessoas interessantes).

Mas...voltando ao futebol (que é o assunto que a minha insignificância me permite), ele está bastante presente na Mostra. A alucinada visão de Emir Kusturica sobre um ensandecido Maradona, Eric Cantona (o ex-jogador francês do Manchester United) dando conselhos a um fã e um documentário com tons antropológicos sobre o futebol brasileiro foram destaques, porém o esporte bretão estava aqui e ali, provando seu incomparável poder: monges budistas jogam bola no filme mongol “O Filho do Caçador de Águias”; engenheiros belgas e húngaros também correm atrás da pelota em “Área das Pessoas Perdidas”; o jovem iraniano de “Fique Calmo e Conte Até Sete” passa o tempo todo vestido com a camisa da seleção brasileira (a dez, de Ronaldinho Gaúcho); Em “Jogos do Leste”, jovens participam da famosa briga entre os torcedores do Levski da Bulgária e do CSKA de Moscou – marco da violência nos estádios da Europa; em “A Religiosa Portuguesa”, quando a atriz francesa desce as ruas de Lisboa em direção ao Tejo ela vê estandartes do Sporting e do Benfica, a anunciar a realização do clássico local; a gota d'água para o fim de um casamento – já deteriorado, é verdade – foi a ida do marido a um jogo de futebol, da seleção iraniana, em “O Homem que Comia Cerejas”, e não foi outra coisa senão a montagem de um time amador que salva uma família da degradação total no filme venezuelano “A Vida em Bloco”.

A Mostra acaba na quinta-feira, dia 5. Depois tem a repescagem, quando serão exibidos cerca de 40 dos 400 filmes que estiveram em cartaz.

O ano do Tupi já acabou. Agora, só em janeiro, quando começa o campeonato mineiro. É tempo demais até lá, muito mais do que se pode imaginar ou suportar. E essa distância nunca foi ficção, nem de perto um filme.

 



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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