Afogando em números e símbolos
Salvo os matemáticos e contabilistas, que vivem disso, não há atividade mais degradante para o ser humano do que fazer contas. Contar alguma coisa que não seja histórias é um absurdo. Contar dinheiro então é o cúmulo. Na minha tenra idade (sim, já a tive!) era bancário, caixa de banco, e, por força da profissão, tinha que trocar um cheque por um maço de notas. Contava na frente do cliente e ele, por sua vez recontava, de forma acintosa na minha frente. Nunca vou esquecer, apesar de querer, o horror estampado na cara do cidadão ou cidadã ao cismar que a quantia estava errada, que o bancário ali estava era a fim de lhe enganar, em R$ 10 que fosse – como disse Nelson Rodrigues certa vez: o rosto do ser humano é obsceno.
Mas...contar outras coisas – salvo as exceções de praxe, citadas acima –, também não é legal. Contar carneirinhos para dormir por exemplo é uma bobagem, pois “é inútil dormir que a dor não passa”. Contar meses para as férias e dias para o feriado também é uma estupidez, uma espécie de matar as horas que mais se assemelha a um lento e gradual suicídio.
Digo isso, torrando a paciência dos meus parcos leitores, porque na hora em que escrevo não se faz outra coisa no mundo do futebol a não ser contas. Há também exceções que confirmam a regra: Corinthians (já classificado para a Libertadores) e Sport (já rebaixado) na Série A, e Vasco (campeão antecipado) e Campinense e ABC (já condenados) na Série B. No mais, parece que todos enlouqueceram, ao trocar os comentários dos jogos, gols, craques e jogadas pela máquina de calcular. Estranho, muito estranho. Nunca soube onde vou chegar, onde a humanidade vai chegar, mas sei agora que o máximo, a pontuação limite, do Fluminense, por exemplo, é 48 pontos. E por isso, só por isso, o Grêmio, com 49, está livre do rebaixamento.
A propósito, não só calculam, os malucos, como criam símbolos para pregar na frente de cada time. Assim, estou sabendo que: do São Paulo (primeiro colocado, 62 pontos) ao Corinthians (10º lugar, 49) estão todos LR (Livre de Rebaixamento); do Goiás (8º, 50) ao Sport (último, 31) estão todos FT (Fora do Título); do Santos (12º, 45) ao Sport estão todos FL (Fora da Libertadores), e, coitado do Sport, está, além de tudo de ruim que já lhe aconteceu, FS (Fora da Sulamericana).
Na Série B tem um símbolo inédito: FA (Fora do Acesso), aplicado da Ponte Preta (7ª colocada, 52 pontos) ao ABC (lanterna com apenas 32).
E assim seguimos. Seria bom, muito bom, que os números e os símbolos fossem deixados de lado, que os comentários fossem exclusivamente em torno das perspectivas espetaculares do São Paulo ganhar pela quarta vez seguida o campeonato e do Fluminense se livrar do inferno. Porém, infelizmente, não é mais dessa forma. Nem futebol e nem a vida.
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Os jogos de ida da repescagem europeia para a Copa do Mundo foram um horror. Os favoritos França e Portugal penaram para vencer pela contagem mínima Irlanda e Bósnia, russos e eslovenos mostraram pouquíssima intimidade com a bola e a partida Grécia X Ucrânia teve uma qualidade técnica inferior a Mamoré X Tombense, pela Terceira Divisão de Minas Gerais.
Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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