O confronto de dois homens marcados pelo destino
As semifinais da segunda Copa que ninguém viu (simplesmente porque nunca aconteceu) reuniram Argentina e Suécia, em Lisboa, e Itália e Brasil, na Cidade do Porto. O primeiro jogo foi tranquilo, marcado pelo cavalheirismo; o segundo, movido pelo sangue latino, foi conturbado e quase acaba em briga.
Os entendidos diziam que o favoritismo era dos vizinhos sul-americanos, já que a Itália não estava tão bem assim e a Suécia já tinha ido longe demais. Porém, qualquer prognóstico seria arriscado, já que em copas do mundo, reais ou fictícias, em algumas oportunidades, coisas estranhas aconteciam.
De qualquer forma, ninguém tinha dúvidas que as quatro seleções envolvidas eram as melhores do mundo naquele pós-guerra. Fora elas, só o Uruguai, batido pelos suecos nas quartas-de-finais, e a Inglaterra, que se negou a disputar a Copa, poderiam ser incluídas nessa discussão.
O clima de cordialidade entre argentinos e suecos se refletiu no placar: 3 a 0 para os campeões do mundo, que jogaram com Vacca, Salomón e Sobrero; Fonda, Nestor Rossi e Pescia; Pedernera, Di Stéfano, Martino, Moreno e Loustau. A novidade era justamente Martino, do San Lorenzo, que ganhou definitivamente a posição e marcou dois gols na partida, o primeiro após cruzamento de Loustau, igualando-se a Nordahl e Zizinho na artilharia. Di Stéfano também deixou sua marca, além de dar o passe para um dos tentos do companheiro.
Na Cidade do Porto, a Itália entrou em campo com Sentimenti, Maroso e Rava; Depetrini, Parola e Grezar; Biavati, Castigliano, Piola, Mazzola e Ferraris; e o Brasil, com Luiz Borracha, Domingos da Guia e Norival; Zezé Procópio, Danilo Alvim e Jaime; Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto e Chico. Eram dois grandes times, mas os brasileiros começaram muito melhor, sufocando a zaga italiana. Zizinho deixou Heleno duas vezes na cara do gol, mas o avante botafoguense chutou a primeira bola para fora e a segunda nas mãos do goleiro.
Porém, nem a superioridade foi capaz de acalmar o time brasileiro. No último lance do primeiro tempo, Chico sofreu uma falta de Depetrini e revidou. Por sorte o árbitro inglês, Charles Barrick não viu o revide, só a falta, e marcou. O ponteiro-esquerdo do Vasco da Gama saiu para o intervalo “jurando” o defensor adversário.
No início do segundo tempo, ele sofreu nova falta, mas não teve tempo para reagir. Heleno de Freitas o fez antes, pisando em Depetrini, que estava no chão. Mazzola chegou no lance e disse alguma coisa para o brasileiro. O teor da conversa nunca foi revelado (morreu com Valentino, na Colina de Superga, e com "Gilda", num hospício de Barbacena), mas o fato, que todo mundo viu, foi a violenta bofetada do brasileiro no craque italiano. O árbitro não teve outra alternativa e expulsou Heleno.
Pouco depois, Piola e Mazzola entraram tabelando na área brasileira e o primeiro deu o tiro de misericórdia. O Brasil se perdeu completamente. Chico estava extremamente nervoso e se esqueceu de jogar bola, Zizinho sumiu e, desgraça das desgraças, Piola invadiu a área e Domingos da Guia (exatamente como na Copa de 38), fez o pênalti, convertido por Mazzola, reclamou e também foi expulso.
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A final daquela Copa que nunca aconteceu, entre a Argentina, vencedora de uma outra Copa que ninguém viu, e a Itália, bicampeão mundial em 34 e 38, foi um divisor de águas do futebol mundial.
Naquele período pós-guerra, Brasil e Argentina tinham os dois melhores times da América, embora sem nenhum intercâmbio com a Europa. Ficavam por aqui, jogando entre si. E Itália e Inglaterra mandavam no Velho Mundo. Porém, antes que outra Copa “real” acontecesse, em 1950, no Brasil, muita coisa mudou.
O Brasil montou um grande time, mas perdeu o torneio em casa; a Argentina desmontou toda a “máquina de jogar bola” que possuía na década de 40; os italianos perderiam seus maiores craques na terrível tragédia com o time do Torino, em 1949; e os ingleses cairiam de seu “pedestal” perdendo justamente para os Estados Unidos, no Estádio Independência, em Belo Horizonte, naquela que se convencionou chamar de “a maior zebra da história”.
Por tudo isso, o resultado da final de 46 (Argentina 2 a 1, gols de Di Stéfano e Martino, contra um de Mazzola) foi o que menos importou. Naquele verão em Portugal, o mundo veria pela única e última vez craques inesquecíveis, que hoje só são lembrados em textos de ficção.
Se caso as duas Copas, interrompidas pela segunda Guerra Mundial, tivessem realmente acontecido, o mapa do futebol estaria mudado para sempre. A Argentina fatalmente seria tetracampeã, e os brasileiros aprenderiam duas lições consecutivas que, se assimiladas, poderiam ter evitado o fracasso espetacular de 1950.
Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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