De Halfeld ? Mercedes Alem?es ajudaram a construir e moldar a Juiz de Fora que conhecemos hoje

Ricardo Corr?a
Rep?rter
20/04/2006

Halfeld ? quase sin?nimo de Juiz de Fora. Mesmo para os que n?o sabem quem ? o fundador da cidade, essa palavra, embora diferente, identifica-se completamente com a cidade, por denominar a rua mais tradicional de JF. A Rua Halfeld ? o cora??o da cidade de Juiz de Fora. Ao descer o Cal?ad?o, o juizforano est? indiretamente ligado a uma hist?ria antiga, que remete ao s?culo XIX, e apresenta a estreita liga??o de nossa cidade com a Alemanha, a terra da Copa 2006. Halfeld foi o primeiro alem?o a fixar-se na cidade.

N?o s?o poucas as lembran?as deixadas pelos alem?es. Al?m de milhares de descendentes e nomes de ruas, os germ?nicos constru?ram parte da cidade, e foram fundamentais no desenvolvimento do com?rcio e da ind?stria na nossa regi?o. E foi exatamente para impulsionar o desenvolvimento que eles vieram.

A hist?ria come?ou em 1858 quando Mariano Proc?pio estava construindo a Estrada Uni?o e Ind?stria. O processo de constru??o utilizado com o solo macadamizado era comum na Europa e Mariano Proc?pio quis trazer alem?es para participar da constru??o da via. Muitos germ?nicos aceitaram o desafio e vieram parar em terra juizforana.

A id?ia inicial era que viessem 3 mil imigrantes em dois anos, no entanto, em apenas dois meses chegaram exatos 1.193, todos registrados em uma lista que ainda existe hoje, sob a guarda do Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly. Sa?ram da Alemanha cinco barcas (veleiros) com os nomes de Teel, Rhein, Gundela, Gessner e Osnabr?ck.

A primeira barca a sair foi a Teel, que deixou a Europa em 21 de abril de 1858. Naquele barco, 236 passageiros estavam a bordo. Eles chegaram ao Rio de Janeiro em 24 de maio. Um m?s depois, partiu a segunda barca, a Rhein, dessa vez com 182 colonos. E foram saindo barcas nos meses seguintes, at? que em 3 de agosto do mesmo ano chegou ao Rio de Janeiro a ?ltima das cinco barcas, a Osnabr?ck, que trouxe 217 colonos para a constru??o da estrada em Juiz de Fora.

A viagem entre o Porto de Hamburgo na Alemanha e o Rio de Janeiro no Brasil levava em m?dia entre 35 e 70 dias. Mas n?o era t?o f?cil. Ventos inesperados fizeram com que uma das barcas perdesse mais de 10 dias de viagem. Foi a? que algumas fam?lias amedrontadas fizeram promessa para encontrar o caminho certo. Duas dessas fam?lias prometeram construir uma capela em homenagem a Santana. Os pedidos foram atendidos e a capela foi constru?da alguns anos mais tarde, em 1864. A outra foi para Nossa Senhora dos Navegantes, e mesmo com a morte do autor da promessa, os familiares realizaram o seu desejo. A constru??o foi feita em um s?tio fechado e modificada com o tempo. Ambas est?o l?, no Bairro S?o Pedro at? hoje, podendo ser visitadas.

Mas esses s?o s? pequenos exemplos da contribui??o alem? para a constru??o da Juiz de Fora que conhecemos hoje. Quando chegaram, os alem?es dobraram a popula??o de Juiz de Fora. As promessas feitas a eles na Europa, de vida boa em novas terras n?o foram concretizadas.

Sem infra-estrutura para receb?-los, os imigrantes foram alojados onde hoje est? o Largo do Riachuelo, na ?poca havia ali um lago de ?gua podre, que disseminou doen?as e ajudou a abreviar a vida de muitos alem?es na cidade. Somente seis meses ap?s sua chegada ? que os imigrantes come?aram a receber os terrenos que haviam comprado. Essas terras est?o localizadas nos atuais bairros Borboleta, S?o Pedro, Mariano Proc?pio e F?brica.

Uma curiosidade da vinda dos alem?es para Juiz de Fora foi que nas barcas vieram os primeiros "protestantes" (luteranos) de Minas Gerais. Na primeira leva, por exemplo, a maioria era de luteranos. A chegada de gente com uma religi?o diferente causou surpresa em Juiz de Fora e muitos padres n?o sabiam como proceder em caso de morte, por exemplo. Mais tarde, com a constru??o dos Cemit?rios da Gl?ria e de S?o Pedro, foi estipulada uma divis?o ao meio, uma parte para os luteranos e outra para os cat?licos.

Contribui??o para o desenvolvimento de JF

Muitos dos imigrantes participaram da constru??o da estrada, que foi inaugurada em 1861, pelo Imperador D. Pedro II. Tamb?m haviam imigrantes de variadas profiss?es como sapateiros, oper?rios, carroceiros e marceneiros. Outros escolheram se estabelecer por conta pr?pria, empreendendo neg?cios nas novas terras. Assim, criaram malharias, curtumes, fundi?es e cervejarias na cidade.

Os alem?es sempre foram empreendedores. E sempre foram pioneiros tamb?m. Foram eles os respons?veis pela primeira ilumina??o p?blica na cidade, com Henrique Meurer e Carlos Otto Halfeld. George F Grande foi o respons?vel pela primeira esta??o telef?nica de Minas Gerais. Eduardo Schimidt fez aqui a terceira f?brica de pregos do Brasil, a "S?o Nicolau". Pedro Schubert empreendeu a primeira fundi??o de ferro guza na regi?o. Ant?nio Meurer foi o respons?vel pela primeira ind?stria de tecidos de malha de Minas Gerais e Sebastian Kunz foi o dono da primeira Cervejaria do estado de Minas. A Cervejaria Barbante, que ficava onde hoje est? localizada a Esta??o S?o Pedro, foi fundada em 1860.

O primeiro curtume industrial do Brasil, o Curtume Krambeck, de Jo?o Wriedt, Peter Giese e Detlef Krambeck foi tamb?m uma cria??o alem?. Ali?s, a famosa Mata do Krambeck est? localizada em uma antiga propriedade desta fam?lia alem?.

As cervejarias foram v?rias: Germ?nia (da Fam?lia Kremer que passou a se chamar Americana, na ?poca da Guerra), Jos? Weiss, Borboleta, Po?o Rico, Winter, Dois Le?es, Estrela e Tapera. Todas alem?s, criadas por imigrantes com os sobrenomes Winter, Scoralick, Freesz, Schubert, Stiebler e Griese.

Os Surerus criaram empresas de materiais de pintura e um curtume que leva o nome da fam?lia. V?rias f?bricas de balas foram criadas, assim como malharias, tipografias, fundi?es e at? uma f?brica de carruagens e carro?as, implementada por Henrique Griese.

O com?rcio tamb?m se desenvolveu e, gra?as aos alem?es, a arrecada??o tribut?ria no Munic?pio tornou-se a maior de Minas Gerais j? em 1870. A grande atividade gerada pelos alem?es permitiu que Juiz de Fora recebesse outros grandes empreendimentos, como a funda??o da Companhia T?xtil Bernardo Mascarenhas. Juiz de Fora se tornou com o tempo a "Manchester Mineira", como ficou conhecida na ?poca.

A Guerra

Muito do que poderia se saber sobre a presen?a dos alem?es em Juiz de Fora se perdeu. Documentos foram queimados, registros apagados, tradi?es esquecidas. Tudo isso durante a Primeira Guerra e mais acentuadamente na Segunda Guerra Mundial. Com os alem?es do outro lado das trincheiras, os descendentes dos imigrantes alem?es sofreram persegui?es e precisaram mudar radicalmente suas vidas em nossas terras. Stehling, por exemplo, alistou-se voluntariamente para lutar pelo Brasil na Primeira Guerra, e acabou preso na segunda, simplesmente porque tinha um sobrenome alem?o.

Na Col?nia de Dom Pedro II, que depois mudou seu nome para Col?nia S?o Pedro, as caracter?sticas da cultura alem? foram mantidas por muito tempo. At? meados da d?cada de 70 o lugar ainda era isolado, quase como outra cidade, e muita fechado. Isso ainda como reflexo da guerra.

No princ?pio do s?culo eles ainda conversavam em alem?o, as escolas ensinavam o idioma, que fazia parte do curr?culo. O que foi amplamente proibido a partir do conflito.

Os horrores da persegui??o deixaram marcas profundas nos imigrantes alem?es. Muito tempo depois, j? na d?cada de 70, tentando-se resgatar a cultura alem?, foram realizadas v?rias visitas ?s fam?lias da regi?o onde se localizava a col?nia, e pessoas mais idosas, filhos de imigrantes, com sotaque carregado, negavam veementemente a descend?ncia, com medo ainda de repres?lias.

Hoje, quando o Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly tenta resgatar essa hist?ria, enfrenta dificuldades, j? que passaportes foram queimados assim como livros e fotos que lembravam a Alemanha. Muita coisa ainda ficou guardada, est? nas m?os de fam?lias que ainda moram na regi?o da Cidade Alta, ou a?, ? vista de todos, nos telhados, chal?s de tijolinhos e janelas t?picas, inconfund?veis, nas poucas casinhas que ainda resistem.