Eles têm o peso, a textura e as feições de um recém-nascido. Os bebês reborn, bonecas hiper-realistas que imitam bebês humanos, vêm ganhando espaço no cotidiano de muitos adultos — especialmente mulheres — e despertando tanto fascínio quanto polêmica. O fenômeno desafia as fronteiras entre o real e o simbólico e levanta questões importantes sobre saúde mental, solidão e as novas formas de expressar afeto na contemporaneidade.
Segundo a psicóloga Valéria Figueiredo, professora do curso de Psicologia da Estácio, é preciso considerar o contexto em que essa busca pelo hiper-real se intensifica. “Na era do imaginário, onde a imagem ganha o centro do capitalismo, precisamos nos perguntar: o que é real?”, provoca. Para ela, vivemos uma “inflação semiótica”, marcada por símbolos que se afastam de significados concretos. É nesse cenário que os reborns encontram espaço: "O real perde espaço para o hiper-real."
Afeto simbólico e maternidade emocional
Do ponto de vista psicológico, o vínculo com os reborns pode ter diversas camadas de significado. Um dos aspectos mais presentes está relacionado ao instinto de cuidado. Mulheres que não puderam ter filhos, vivenciaram perdas gestacionais ou enfrentam a síndrome do ninho vazio podem encontrar nessas bonecas uma forma simbólica de maternar.
“Simular gestos cotidianos de cuidado — como dar colo, vestir ou alimentar — pode oferecer conforto emocional e senso de propósito”, explica Valéria.
Além disso, os bebês reborn podem servir como objetos de transição em processos de luto. Em situações de perda, o boneco pode se tornar uma âncora afetiva, permitindo a expressão do sofrimento e a elaboração emocional. “A semelhança com um bebê real oferece um foco para o afeto e a saudade. Mas é preciso cuidado para que a fantasia não substitua a realidade da perda e torne o luto mais difícil de ser enfrentado”, alerta a psicóloga.
Solidão, controle e conexões digitais
Outro fator relevante é a solidão. Em tempos marcados por vínculos frágeis e relações digitalizadas, os bebês reborn também ocupam um lugar de companhia. Mesmo inanimados, eles geram rotinas, estimulam conversas e conectam pessoas em comunidades virtuais que compartilham experiências semelhantes.
“Há também um aspecto de controle. O bebê reborn pode ser exatamente aquilo que eu desejo no momento, algo que posso prever e administrar — diferente da imprevisibilidade das relações humanas”, afirma Valéria.
Apego, trauma e risco psíquico
Pessoas com histórico de traumas emocionais ou com padrões de apego inseguros podem encontrar nas bonecas uma forma de relacionamento previsível e sem riscos. A teoria do apego ajuda a entender esse fenômeno: o reborn pode funcionar como uma fonte de segurança e conforto emocional.
No entanto, nem sempre essa relação é saudável. “Quando o vínculo com o boneco passa a substituir relações humanas significativas, ou quando vira uma fuga para não lidar com dores reais, há sinais de sofrimento psíquico”, adverte a especialista. Nestes casos, o acompanhamento psicológico é fundamental.
Entre o simbólico e o real
Mais do que uma simples tendência, os bebês reborn refletem transformações profundas nas formas de lidar com o afeto, a perda e o desejo de cuidado. O fenômeno convida a uma reflexão sobre os limites entre fantasia e realidade, sobre como a tecnologia e o hiper-real moldam nossas experiências afetivas.
“Compreender as motivações por trás desse vínculo é essencial para que possamos olhar para essas experiências com empatia, mas também com responsabilidade clínica”, conclui Valéria Figueiredo.
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