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Transformismo

Gerardo Chiaromonte
 

Gramsci se ocupou bastante da questão do transformismo, nas suas reflexões, em relação ao Risorgimento, à questão meridional, aos intelectuais, etc. Pode-se dizer que ele considerava o transformismo como uma das características básicas da história política italiana, desde o Risorgimento até o fascismo.

Deve-se notar que Gramsci trata esta questão sem tons ou juízos moralistas (que, ao contrário, às vezes constituem a parte essencial das reflexões de outros estudiosos italianos e, sobretudo, de alguns meridionalistas). Para Gramsci, o transformismo é a expressão (muitas vezes, negativa) de um fato que continua a ser político: ou seja, da hegemonia que conseguiram conquistar e exercer, no terreno concreto dos acontecimentos da política risorgimentale, e mesmo depois, os grupos "moderados" e até conservadores.

Escreve Gramsci: "Aliás, pode-se dizer que toda a vida estatal italiana, a partir de 1848, é caracterizada pelo transformismo, ou seja, pela elaboração de uma classe dirigente cada vez mais ampla, nos quadros fixados pelos moderados depois de 1848 e o colapso das utopias neoguelfas e federalistas, com a absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos. Neste sentido, a direção política se tornou um aspecto da função de domínio, uma vez que a absorção das elites dos grupos inimigos leva à decapitação destes e a sua aniquilação por um período freqüentemente muito longo".

Gramsci assim conclui esta reflexão (e é evidente que ele pensa, independentemente da questão do transformismo, nos problemas do avanço e da conquista do poder por parte das novas forças renovadoras: "A partir da política dos moderados, torna-se claro que pode e deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida ao poder e que não se deve contar apenas com a força material que o poder confere para exercer uma direção eficaz".

Para produzir o transformismo nas suas várias expressões contribuíram diversos fatores, segundo a análise de Gramsci. O mais importante foi aquele ligado à fragilidade histórica dos partidos na Itália, desde o Risorgimento até o fascismo. Foi o governo - segundo Gramsci - que operou "como um ‘partido’, colocou-se acima dos partidos não para harmonizar seus interesses e atividades no quadro permanente da vida e dos interesses estatais nacionais, mas para desagregá-los, para separá-los das grandes massas e ter ‘uma força de sem-partido ligada ao Governo por vínculos paternalistas de tipo bonapartista-cesarista’: assim, é preciso analisar as chamadas ditaduras de Depretis, Crispi, Giolitti, bem como o fenômeno parlamentar do transformismo".

A análise também abrange a situação da intelectualidade e da cultura italiana depois do Risorgimento. E é uma análise impiedosa, mas com a clássica marca da inventividade de Gramsci: "Miséria da vida cultural e estreiteza mesquinha da alta cultura: em lugar da história política, a erudição descarnada; em lugar da religião, a superstição; em lugar dos livros e das grandes revistas, o jornal e o panfleto. O dia-a-dia, com seus facciosismos e seus choques personalistas, em lugar da política séria. As universidades, todas as instituições que elaboravam as capacidades intelectuais e técnicas, não permeadas pela vida dos partidos, pelo realismo vivo da vida nacional, formavam quadros nacionais apolíticos, com formação mental puramente retórica, não nacional."

Gramsci distingue diferentes períodos na trajetória do transformismo.

A primeira é a fase risorgimentale: "A passagem para o cavourismo, depois de 1848, de sempre novos elementos do Partido de Ação modificou progressivamente a composição das forças moderadas, liquidando o neoguelfismo, por um lado, e, por outro, empobrecendo o movimento mazziniano (pertencem a este processo até mesmo as oscilações de Garibaldi)". Esta (segundo Gramsci) é a "fase originária" do transformismo.

Gramsci descreve assim as outras fases. De 1860 até 1900, há o "transformismo molecular": "As personalidades políticas elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à ‘classe política’ conservadora e moderada (caracterizada pela hostilidade a toda intervenção das massas populares na vida estatal, a toda reforma orgânica que substituísse o rígido ‘domínio’ ditatorial por uma ‘hegemonia’)".

A partir de 1900, há "o transformismo de grupos radicais inteiros, que passam ao campo moderado (o primeiro episódio é a formação do Partido Nacionalista, com os grupos ex-sindicalistas e anarquistas, que culmina na guerra líbia, num primeiro momento, e no intervencionismo, num segundo)".

Mas, para Gramsci, há um período intermediário (1890-1900), no qual "uma massa de intelectuais passa para os partidos de esquerda". Gramsci dedicou uma grande atenção à relação entre transformismo e movimento operário. O trecho mais significativo nos parece o seguinte: "A causa do fenômeno italiano, ao que me parece, deve ser buscada na escassa aderência das classes altas ao povo: na luta das gerações, os jovens se aproximam do povo; nas crises de mudança, tais jovens retornam à sua classe (foi o que ocorreu com os sindicalistas-nacionalistas e com os fascistas). No fundo, trata-se do mesmo fenômeno geral do transformismo, em condições diversas. O transformismo ‘clássico’ foi o fenômeno pelo qual se unificaram os partidos do Risorgimento; este transformismo traz à luz o contraste entre civilização, ideologia, etc., e a força de classe. A burguesia não consegue educar os seus jovens (luta de geração): os jovens deixam-se atrair culturalmente pelos operários, e chegam mesmo a se tornar - ou buscam fazê-lo - seus líderes (desejo ‘inconsciente’ de realizarem a hegemonia de sua própria classe sobre o povo), mas, nas crises históricas, retornam às origens".



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