SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É muito provável que entre israelenses e entre os empenhados nos esforços de paz no Oriente Médio exista verdadeiramente um único nome nos últimos 50 anos. Foi o de Shimon Peres (1923-2016), por duas vezes primeiro-ministro e, no finzinho de sua carreira, presidente de Israel (2007-2014).
Peres é tema de um ótimo documentário de pouco mais de duas horas ("Nunca Deixe de Sonhar") que a Netflix produziu em 2018 sob a direção de Richard Trank e que estreou em julho último no serviço brasileiro do streaming.
Digamos, para resumir, que é relativamente tranquilo fazer política com muita ética em países ou períodos de grande calmaria. Shimon Peres, no entanto, entrou para a história por sua integridade, apesar de três guerras (1948, 1967 e 1973) das quais ele teve direta ou indiretamente participou.
E ainda foi um dos agraciados em 1994 com o Nobel da Paz, por ter negociado os Acordos de Oslo -que, e não por culpa dele, acabaram abortados sem resultar na conciliação entre israelenses e palestinos.
Ele nasceu em Weszniew, cidadezinha da Polônia que hoje pertence ao território da Belarus e cuja sinagoga foi incendiada pelos nazistas com todos os judeus dentro. Szimon Perski, seu nome à época, já havia emigrado em 1932 com os pais para a Palestina, então um protetorado britânico.
(Curiosidade que o documentário não chega a abordar: Shimon Peres não é primo-irmão da atriz americana Lauren Bacall; as famílias de ambos se originam da mesma região e têm o mesmo sobrenome judaico, o que pode ser apenas mera coincidência.)
Mas voltando a Israel. O jovem imigrante, que militava em associação de jovens ligados ao Partido Trabalhista, chamou a atenção de David Ben Gurion, patriarca da independência israelense e seu primeiro premiê. O espantoso é que aos 26 anos Peres tenha sido nomeado vice-ministro da Marinha e encarregado de contrabandear armas, para furar o embargo que ingleses e franceses impunham a Israel.
Anos depois foi também idealizador do programa nuclear israelense, que deu lugar à bomba atômica, tema ainda sigiloso no país. Para tanto foi auxiliado pela França, nos anos 1950, que tentava conter o movimento de independência da Argélia, alimentado pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, inimigo declarado de Israel.
Vejam que muitas vezes a política externa é uma regra de três, em que, no caso, os franceses desconheciam o plano israelense para produzir a bomba.
A ascensão de Peres na estrutura de poder se dá também pela crise de Suez (1956). Nasser nacionaliza o canal, Israel o enfrenta militarmente -com a França e o Reino Unido na retaguarda, a guerra dura apenas 100 horas e termina com a derrota egípcia.
O momento pessoal de mais alta tensão vivido por Peres foi em 1976, quando terroristas palestinos e alemães sequestraram um Airbus da Air France e o levaram ao aeroporto de Entebbe, em Uganda. Permaneceram sequestrados pouco mais de cem passageiros israelenses ou judeus. Ele era então ministro das Relações Exteriores e deu sinal verde para que um comando militar aterrissasse no país africano e libertasse os reféns. Morreu no resgate um único israelense, o tenente-coronel Yonatan Netanyahu, cujo irmão seria anos depois primeiro-ministro.
A outra grande inimiga de Shimon Peres foi a inflação, que ele enfrentou e venceu em 1984, ao custo de um corte fabuloso no Orçamento. A taxa anual caiu de 500% para 17%, o que deu uma popularidade incrível ao então primeiro-ministro. Ele foi pressionado a dissolver o Knesset, Parlamento unicameral, e convocar eleições que tranquilamente venceria. Mas preferiu cumprir um acordo prévio e entregou a chefia do governo ao trabalhista Yitzhak Rabin.
Peres foi casado com Sonya, que lhe deu três filhos e com ele morava num apartamento relativamente modesto de Tel Aviv. No documentário, uma de suas netas dá depoimento em que insiste sobre o gosto que o avô tinha por uma boa negociação.
A bem da verdade, o político reforçou no decorrer de sua longa carreira a reputação de partidário do diálogo. Seja com um compatriota, seja com o palestino Yasser Arafat ou com o rei Hussein, da Jordânia, ele foi um refinado interlocutor. Não defendia jamais as soluções de força que chegou a usar e se definia como um sonhador. "Meu maior talento foi o de sonhar. Não me arrependo de nenhum de meus sonhos. Só me arrependo de não ter sonhado mais."
Seu último e mais intenso sonho está na criação de uma fundação destinada a produzir a mais recente especialidade de Israel, a alta tecnologia. Mas com um detalhe. Todos os projetos que a fundação financia têm a participação paritária de israelenses judeus e palestinos. Quem sabe não é esse um caminho alternativo para a paz?
NUNCA DEIXE DE SONHAR: A VIDA E O LEGADO DE SHIMON PERES
Onde: Disponível na Netflix
Classificação: 14 anos
Produção: EUA, 2018
Direção: Richard Trank
Duração: 129 min
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