SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando se emancipou de Portugal, o Brasil teve de conquistar o reconhecimento da comunidade internacional sobre sua soberania. É por isso que a Independência, cujo bicentenário é celebrado nesta quarta (7), também marca o nascimento da diplomacia brasileira, que chega aos 200 anos com o desafio de romper com o isolamento do país e a imagem de pária adquirida durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

A independência inaugura uma diplomacia nacional propriamente dita, que começa sob a batuta de José Bonifácio (1763-1838). Considerado um dos principais conselheiros de dom Pedro 1º, ele se torna o primeiro chanceler do Brasil --embora não fosse esse o título oficial.

"No começo, o Brasil tinha algo como quatro funcionários e mais dois mensageiros a cavalo. Essa era toda a diplomacia na época de José Bonifácio", diz Rubens Ricupero, embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda.

O objetivo de Bonifácio era o Brasil ser reconhecido sem fazer nenhuma concessão à Inglaterra, principal potência da época. A atitude soberana não consegue prosperar. Em 1823, o chanceler é derrubado do cargo, preso e exilado com a dissolução da Assembleia Constituinte por dom Pedro. O próprio imperador assume as relações exteriores do Brasil --e com uma postura completamente oposta.

No afã de obter rápido reconhecimento, e também interessado em assegurar direitos ao trono de Portugal, dom Pedro 1º se dobra à Inglaterra e aceita um tratado cheio de concessões. O Brasil se compromete a assumir metade da dívida externa portuguesa, sendo que boa parte dela havia sido contraída exatamente para combater a independência brasileira. Daí vem a ideia de que o país teria comprado sua emancipação.

Curiosamente, as duas estratégias de inserção internacional que dominaram o primeiro momento do Brasil independente --a posição soberana pretendida por Bonifácio e o alinhamento a uma grande potência adotado pelo imperador-- marcam os padrões que a diplomacia seguiu ao longo de seus 200 anos.

Do fim do século 19 até os anos 1930, a política externase moldou de acordo com desdobramentos do imperialismo europeu. É nesse contexto que a atuação do Barão de Rio Branco (1845-1912) para consolidar as fronteiras nacionais ganha destaque. Considerado o patrono da diplomacia brasileira, ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, e adotou uma postura de aproximação com os Estados Unidos.

A proximidade com Washington promovida por Rio Branco se tornará um paradigma da política externa brasileira por um bom tempo. No governo Dutra (1946-1951), a postura foi tão marcante que ganhou o título depreciativo de alinhamento automático.

O retorno a uma estratégia de inserção internacional autônoma só ocorre com Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964), que promovem uma política dita não subordinada aos norte-americanos. Mas a postura independente acaba com o golpe militar. O governo de Castelo Branco, o primeiro da ditadura, representa uma aposta quase total nos EUA.

Segundo Ricupero, 1964 foi a primeira vez que uma questão de política externa se torna uma causa importante de golpe de Estado no Brasil. "Todos os outros golpes tinham sido por questões internas.

Dessa vez a política independente que era vista pela direita como pró-Cuba foi um elemento poderoso", afirma.

É a partir do governo Geisel (1974-1979) que ocorre um afastamento em relação aos EUA, e uma política externa mais independente volta à superfície. Até o fim da ditadura, apesar das diferentes estratégias, houve uma certa compatibilidade de valores, baseados em autonomia e participação maior no mundo, sem visão ideológica. A lógica muda com o governo Bolsonaro.

Para o historiador Rodrigo Goyena Soares, o Brasil vive o seu pior momento nas relações externas desde José Bonifácio. Além de romper com uma tradição secular do multilateralismo, a diplomacia bolsonarista, ele afirma, opta por um alinhamento motivado por razões particulares e ideológicas.

O historiador Thiago Krause concorda e diz que é possível notar ecos da postura de dom Pedro 1º em Bolsonaro, como os impulsos autoritários e a preocupação excessiva com a questão familiar.

"Poderíamos pegar momentos mais brutais da política externa, como o apoio à ditadura do Pinochet, a Operação Condor, ou o fim da Guerra do Paraguai, mas em termos de estatuto do Brasil no mundo, acho muito difícil pensar num momento em que o país seja mais pária do que agora."

Ricupero concorda. "O período de Ernesto Araújo é o pior do pior. É quando o Brasil destrói todo o patrimônio de soft power que havia acumulado", afirma.

Na visão de Krause, os principais desafios da política externa brasileira hoje incluem a construção de uma política ambiental crível para reposicionar o Brasil na discussão climática e a reconstrução dos laços com a América Latina e com o Sul Global.


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