SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Três dias depois da tragédia que matou 156 pessoas e deixou 151 feridos no Halloween na Coreia do Sul, o ginásio que havia se tornado um necrotério improvisado parece agora uma espécie de seção de achados e perdidos com os pertences das vítimas.

São ao menos 256 pares de sapatos, 258 peças de roupa, 124 bolsas e 156 dispositivos eletrônicos, como relógios e fones de ouvido. Há ainda óculos, chaveiros, bichos de pelúcia, máscaras e fantasias utilizadas nas festas do Dia das Bruxas.

Todos os objetos estão cuidadosamente organizados e classificados, mas só uma pequena parte tem donos identificados. Celulares e documentos estão armazenados em delegacias de polícia.

O silêncio no ginásio de Wonhyoro contrasta com o dinamismo usual do distrito de Itaewon, em Seul, conhecido por sua intensa vida noturna e seu caráter cosmopolita e internacional, com a presença de muitos turistas e estrangeiros.

Reflete ainda o luto e o estado de perplexidade dos sul-coreanos diante da tragédia em que as centenas de vítimas, em sua maioria jovens, morreram ou ficaram feridas depois do tumulto que concentrou uma dezenas de milhares de visitantes em um beco com cerca de três metros de largura -um "tsunami de gente", como descreveu uma testemunha à Folha de S.Paulo.

Uma sobrevivente da tragédia com a perna engessada percorria o ginásio nesta terça-feira (1º) à procura de sua bolsa, mas não a encontrou. Sem se identificar, ela contou à agência de notícias Reuters que só saiu viva do beco em que esteve prestes a ser sufocada porque a parte de cima do seu corpo não foi pressionada contra as paredes do beco.

De acordo com policiais ouvidos pela Reuters, poucas pessoas têm ido ao ginásio para recolher os pertences, de modo que os objetos constituem uma espécie de memorial das vítimas, ainda que não oficialmente como os que acumulam velas, cartas, flores e mensagens de solidariedade em outros pontos de Seul.

Nesta terça-feira, o comandante da polícia sul-coreana admitiu que os agentes receberam vários alertas sobre os perigos da aglomeração no Halloween em Itaewon. "Uma grande multidão estava reunida mesmo antes do acidente, o que indicava a urgência do perigo, mas o uso [que fizemos] desta informação foi insuficiente", afirmou Yoon Hee-keun.

Algumas das chamadas à polícia foram feitas quatro horas antes da tragédia. "Tem um monte de gente subindo e descendo esse beco. Eu estou muito nervoso. Acho que algumas pessoas podem acabar esmagadas. Eu escapei por pouco, mas tem muita gente. Eu acho que vocês precisam intervir", diz a transcrição de uma das ligações obtida pelo jornal The Washington Post.

A Coreia do Sul tinha um bom histórico de controle de multidões. Em protestos, é comum que o contingente policial supere o número de manifestantes. De acordo com a imprensa local, no entanto, houve no último sábado uma inversão de prioridades.

A polícia enviou 137 agentes a Itaewon -onde havia mais de 100 mil pessoas, segundo estimativas- e 6.500 a outro ponto de Seul onde 25 mil pessoas participavam de um protesto.

Lee Sang-min, ministro do Interior da Coreia do Sul, foi a primeira autoridade de alto escalão a se desculpar pela tragédia. "Gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar minhas desculpas sinceras ao povo, como ministro responsável pela segurança da população, por este acidente", disse em pronunciamento na Câmara dos Deputados.

O prefeito de Seul, Oh Se-hoon, chorou durante uma entrevista coletiva e disse que o governo da cidade colocaria todos os recursos administrativos disponíveis "até que todos os cidadãos possam retornar às suas vidas normais".

O presidente Yoon Suk-yeol não pediu desculpas, mas reconheceu que o país precisa melhorar com urgência sua resposta a aglomerações. Ele decretou luto nacional, prometeu investigações rigorosas e medidas que impeçam tragédias semelhantes. Pediu ainda a criação de um sistema de "última geração" que auxiliasse na tarefa -embora críticos apontem que a Coreia do Sul já tem recursos para isso, mas eles não foram utilizados em Itaewon.

A prefeitura de Seul tem um sistema que monitora multidões em tempo real a partir da coleta de dados de smartphones, de modo a antecipar a formação de aglomerações. A imprensa sul-coreana aponta, porém, que o modelo não foi aplicado no sábado. A percepção, portanto, é de que a tragédia poderia ter sido evitada.


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